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Empregado contratado como “degolador islâmico” não consegue provar discriminação no ambiente de trabalho

Você sabia que existem trabalhadores contratados especificamente para o abate de animais pelas técnicas permitidas para o consumo pelos seguidores da religião islâmica? Nesta NJ Especial você poderá acompanhar o caso de um desses trabalhadores, que procurou a Justiça denunciando discriminação no ambiente de trabalho e alegando ter sofrido danos morais. E, de quebra, é uma boa oportunidade para conhecer e entender um pouco mais da cultura muçulmana. E fique de olho que nas próximas semanas traremos aqui mais casos envolvendo outras religiões e suas influências, diretas ou indiretas, no trabalho de seus seguidores. Aguarde a NJ Especial Trabalho e Religião!

Abate Halal: animal não pode sofrer

175_nj_especial_horizontal.jpgA lei brasileira permite o sacrifício de animais de acordo com preceitos religiosos, desde que sejam destinados ao consumo por comunidade religiosa que os requeira, ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência. O abate Halal, que consiste em matar o animal pelo método tradicional da degola do pescoço e é exigido para a obtenção de carnes para pessoas de fé islâmica, é um exemplo disso. Halal em árabe significa “legal” ou “permitido”, sendo um termo usado para descrever aquilo que é permitido pelas leis de “Allah”, incluindo algumas práticas relacionadas à alimentação. Apenas os alimentos Halal são permitidos para o consumo dos muçulmanos, devendo ser preparados de acordo com os preceitos e as normas ditadas pelo Alcorão Sagrado e pela Jurisprudência Islâmica. Animais como os bovinos, caprinos, ovinos e frangos podem ser considerados Halal, desde que sejam abatidos segundo os Rituais Islâmicos (Zabihah).

 

De acordo com as exigências das Embaixadas dos países islâmicos, o abate halal tem de ser realizado em separado do não-Halal e executado por um muçulmano mentalmente sadio, conhecedor dos fundamentos do abate de animais no Islã. As normas básicas a serem seguidas para o abate Halal são as seguintes:

– Serão abatidos somente animais saudáveis, aprovados pelas autoridades sanitárias e que estejam em perfeitas condições físicas;

– A frase “Em nome de Alá, o mais bondoso, o mais Misericordioso” deverá ser dita antes do abate;

– Os equipamentos e utensílios utilizados devem ser próprios para o Abate Halal;

– A faca utilizada deverá ser bem afiada, para permitir uma sangria única que minimize o sofrimento do animal;

– O corte deve atingir a traqueia, o esôfago, artérias e a veia jugular, para que todo o sangue do animal seja escoado e o animal morra sem sofrimento;

– Inspetores muçulmanos acompanharão todo o abate;

– Todo o preparo, processamento, acondicionamento, armazenamento e transporte devem ser exclusivos para os produtos Halal, que, obrigatoriamente, serão rotulados e certificados conforme “a lei do Islã”.

Alguns métodos de insensibilização são aceitos, como a “concussão por dardo não-penetrante e a eletronarcose sem a indução da parada cardíaca”. O emprego da insensibilização no abate halal permite maior velocidade de abate e mantém elevado o padrão humanitário.

No Brasil existem duas certificadoras para carne Halal, a Central Islâmica Brasileira de Alimentos Halal Ltda. (CIBAL Halal) reconhecida pela Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS) e o Centro de Divulgação Islã para a América Latina. (Fonte: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes – Disponível em: www.abiec.com.br).

“Degolador islâmico”: um caso trabalhista

Recentemente, a juíza Claudia Rocha Welterlin, na titularidade da Vara do Trabalho de Itajubá, analisou o caso em que um trabalhador, contratado pela CIBAL Halal para realizar a função de “degolador islâmico” em um frigorífico, pretendia receber indenização por danos morais, alegando ter sido vítima de assédio moral, ao ser vítima de discriminação em seu local de trabalho, em função do seu credo muçulmano. Mas, após examinar as provas, a magistrada não reconheceu o pedido do reclamante.

A versão do trabalhador

especialdegoladorcasotrabalhista.jpgO empregado disse que era obrigado a efetuar a degola de bovinos que já chegavam mortos na linha de produção, o que contraria o método Halal e ofende seus preceitos religiosos, caracterizando assédio moral, além de constituir fraude no preparo e comercialização de carnes aos países islâmicos. Afirmou que as condições de trabalho a que estava submetido não lhe ofereciam a menor dignidade, pois tinha contato com animais portadores de doenças, sem o uso dos EPI’s adequados.

Acrescentou que trabalhava em sobrejornada e em acúmulo de funções, já que exercia as atividades de inspetor e supervisor islâmico, além da função de “degolador islâmico” para a qual foi contratado, o que caracteriza danos existenciais. Por fim, disse que era discriminado pelos colegas de trabalho por seguir os preceitos da religião muçulmana e pela maneira do abate Halal, não tendo a empresa adotado as medidas necessárias para coibir a discriminação no ambiente de trabalho.

A versão da empresa CIBAL Halal e do frigorífico

Ao se defender, a empregadora sustentou que o simples fato de ter trabalhado na degola de animais pelo método Halal não gera danos morais ao reclamante, já que ele é muçulmano, sendo esta uma prática exigida pela própria fé islâmica. Disse que, além do mais, o reclamante foi admitido especificamente para executar essa atividade e que, obrigatoriamente, os animais deveriam estar vivos e sanitariamente perfeitos, conforme exigências do abate Halal. Acrescentou que todo o processo Halal é acompanhado e supervisionado, prezando-se pela qualidade do serviço, fiscalizando-se todo o processo de higienização, EPI’s e demais procedimentos necessários para adequação às normas de higiene e segurança do trabalho. Por fim, afirmou que o reclamante jamais sofreu qualquer tipo de ofensa moral no ambiente de trabalho e que ele, aproveitando-se da sua condição de empregado, burlou a vigilância do frigorífico onde prestava serviços para possibilitar o ingresso do seu irmão, o qual se apresentou falsamente à diretoria da empresa como supervisor da CIBAL Halal e exigiu propina para que esquecesse supostas falhas no serviço do reclamante.

Já o frigorífico em que o reclamante prestava seus serviços disse que se fosse para não cumprir os mandamentos islâmicos, não precisaria contratar uma empresa especializada no procedimento Halal. Argumentou que não é possível a comercialização de animal doente e que este não chegaria ao setor de degola. Afirmou que o reclamante utilizava todos os EPI’s necessários para redução da insalubridade e que repudia qualquer prática discriminatória em suas dependências, não permitindo a qualquer empregado ou terceiro agir em desacordo com as regras internas e contrárias aos bons costumes.

Dano moral negado

Em sua análise, a magistrada ressaltou que os danos morais podem ser definidos como aqueles queespecialdegoladordanomoralnegado.jpg implicam a violação a direitos da personalidade da pessoa, de caráter não patrimonial. Normalmente, estão identificados com a dor e a humilhação que interfiram intensamente no estado psicológico do indivíduo, causando-lhe sofrimento, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Já o assédio moral na relação de emprego ocorre quando o empregador, ou seus prepostos, geralmente um superior hierárquico do trabalhador, praticam ameaças, manipulações ou ironias, em nítido abuso do poder diretivo, expondo o empregado a situações vexatórias e humilhantes justamente para lhe ferir a dignidade, a integridade física ou psíquica, degradando, ainda, o seu ambiente de trabalho.

“Assim, não é qualquer conduta rígida ou séria do empregador suficiente para caracterizar o assédio moral”, frisou a juíza. Ela explicou que o empregador e seus prepostos têm o poder diretivo na relação de emprego, cabendo-lhes, portanto, organizar, fiscalizar e aplicar penalidades. O assédio moral somente se configura quando o empregador ultrapassa os limites do seu poder diretivo, de forma a denegrir a imagem do empregado e a lhe causar danos físicos, psíquicos ou morais.

E, no caso, de acordo com a julgadora, cabia ao reclamante comprovar que as empresas praticaram atos capazes de lhe causar danos morais, o que não ocorreu. Tanto que, em depoimento pessoal, o próprio trabalhador reconheceu que tinha autonomia para fazer o abate Halal, caindo por terra a sua alegação de que era obrigado a fazer a degola de animais mortos, destacou a juíza.

Segundo ponderou a magistrada, mesmo que se considere que o trabalho em condições insalubres, a jornada extraordinária e o acúmulo de funções possam ter causado desgastes ao empregado, esses fatos foram insuficientes para atentar contra sua honra e dignidade, não configurando um dano de ordem moral que justifique a reparação pleiteada. “Além disso, a empregadora já pagava ao autor adicional de insalubridade em grau médio, sendo condenada ao pagamento do adicional em seu grau máximo (autorizada a dedução dos valores já quitados). Da mesma forma, ela foi condenada ao pagamento de horas extras e do adicional pelo acúmulo de funções”, registrou na sentença.

A juíza salientou ainda que a suposta discriminação sofrida pelo reclamante não foi demonstrada por qualquer meio de prova. “Muito pelo contrário, o que se provou foi o erro de conduta do reclamante ao auxiliar o seu irmão a entrar na sede do frigorífico e a se passar por falso supervisor da CIBA – Halal, vindo a praticar crime de estelionato contra o frigorífico, fato reconhecido pelo próprio reclamante em depoimento pessoal”, esclareceu a magistrada.

 

Assim, entendendo não demonstrada a prática de conduta ilícita pelas rés caracterizadora do dano moral ou violadora de qualquer direito ou bem de natureza imaterial do reclamante, a juíza negou o pedido de indenização por danos morais feito pelo degolador muçulmano.

Recurso: sentença mantida

Ao analisar o recurso do trabalhador contra essa decisão, a Quinta Turma do TRT-MG, manteve o entendimento do juiz de Primeiro Grau. Segundo esclareceu o relator convocado, juiz Danilo Siqueira de Castro Faria , o reclamante não comprovou nenhuma das suas alegações acerca de abate de animais mortos e em relação a comportamentos discriminatórios dentro da empresa. O que ficou provado, por outro lado, foi o erro de conduta do ex-empregado ao ajudar o irmão a entrar na sede da empresa contratada, passando-se por falso supervisor da contratante, vindo a praticar crime de estelionato, como se extrai do seu depoimento perante a autoridade policial.

Além das testemunhas que informaram que o abate era feito com animais vivos, a perita que atuou no processo informou que “para efetuar a degola, o reclamante manuseava uma faca e o procedimento inicial era fazer o corte da artéria carótida e da veia jugular na área do pescoço do animal, enquanto ainda vivo (insensibilizado), e então proceder com a degola completa”.

Para o relator, o alegado trabalho em sobrejornada, acúmulo de funções ou exercício de atividades insalubres sem uso de EPI’s, não atingem a esfera moral do trabalhador, gerando apenas direito ao recebimento dos adicionais previstos na lei, o que já foi objeto de condenação no caso. Portanto, negou provimento ao recurso do trabalhador e confirmou a sentença que negou o seu pedido de indenização por danos morais.

 

Não foram interpostos recursos contra essa decisão e o processo já retornou à Vara de origem para a execução das parcelas deferidas ao ex-empregado em outros itens pedidos, como adicional de insalubridade.

PJe: 0011676-25.2015.5.03.0061- Sentença: 23/08/2016 – Acórdão: 07/02/2017

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