Nos balanços de fim de ano, a Operação Anaconda vai estar entre os principais acontecimentos de 2003, ainda que tenha começado no ano anterior e no governo tucano.
Quando a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça trabalham afinados e sem disputar holofotes, as investigações costumam ter começo, meio e fim. Foi assim na fraude do Banco Nacional, nos anos 90.
O surpreendente na desmontagem da suposta quadrilha que negociava sentenças foi o sigilo mantido na fase de apuração. Paradoxalmente, se não tivesse havido vazamento na etapa seguinte, dificilmente o TRF (Tribunal Regional Federal) prenderia um juiz.
Apesar do clamor público e das provas robustas, os réus são apenas suspeitos até decisão final da Justiça. Mas a Operação Anaconda oferece a oportunidade para que o Judiciário reflita sobre os limites das corregedorias e avalie a quem favorece o sigilo nas investigações de juízes muito suspeitos.
Uma consulta aos sites dos tribunais já revelava, havia muito tempo, os inúmeros processos que envolviam o magistrado tido como um dos mentores da suposta organização criminosa.
Durante anos, o juiz João Carlos da Rocha Mattos desafiou o TRF. Ele chegou a ser afastado, em 1992, ao ameaçar o então presidente daquele tribunal, o desembargador Homar Cais.
“Conheço muitas coisas a respeito das condutas profissionais e pessoais de Vossa Excelência e de sua mulher [Cleide Previtalli Cais, à época procuradora-chefe da Procuradoria da República em São Paulo]”, afirmou o juiz em carta a Cais. E advertiu: “Levarei tudo às últimas consequências”.
Por causa da ousadia, o juiz foi afastado do cargo. Mas retornaria como titular da 4ª Vara graças à prescrição da punição disciplinar e porque o Ministério Público Federal não propôs, na ocasião, uma ação penal. Assim entenderam, pelo menos, os tribunais superiores.
Mesmo não tendo competência para tal, Rocha Mattos mandou soltar um réu preso por decisão do tribunal. Numa penada, facilitou o arquivamento do caso das importações superfaturadas de Israel no governo Orestes Quércia e impediu que o TRF julgasse denúncia de 500 páginas que fora recebida em decisão unânime.
O juiz sofreu censura unânime do TRF por desobedecer ao tribunal e decidir sobre o destino a ser dado a milhões de dólares apreendidos de um contrabandista. A censura equivale à suspensão do cargo, mas é punição inócua se não há publicidade.
É sabido que o juiz manteve desembargadores acuados. Ofereceu representações contra os que o investigavam em inquéritos sigilosos. As buscas e apreensões da Anaconda oferecem vestígios da arapongagem que bisbilhotava o patrimônio e a vida privada de vários juízes e promotores.
É impossível avaliar os danos com inquéritos de solução controvertida que, nos últimos 15 anos, passaram pelas mãos de magistrados hoje sob suspeição. O caso Cobrasma, as importações de Israel, o escândalo dos precatórios, os desvios do fórum trabalhista de São Paulo são apenas alguns desses processos de final duvidoso. O bote da anaconda, cobra que devora lentamente as vítimas, veio tarde.
A imprensa costuma divulgar denúncias e não registrar com igual destaque as absolvições. Pois a Anaconda sugere que houve omissão maior. Não se questionaram, na época, as muitas decisões judiciais que beneficiaram tantos políticos e empresários notáveis.