Nos últimos dias de novembro passado lavrou-se, na 42ª Vara Cível de São Paulo, um atestado de óbito coletivo de mais de dez empresas que chegaram ao País junto com a Telecom Itália, dona da TIM.
O juiz Carlos Henrique Abrão, que decretou a falência das empresas satélites da Telecom Itália, não tem dúvida em cravar: a meteórica abertura e fechamento das empresas teve uma finalidade muito clara. E não era vender telefones. “O objetivo foi lavagem de dinheiro”, afirma o juiz.
A vida íntima nesse emaranhado de empresas era intensa e confusa. A promotora de falências do Ministério Público paulista, Maria Cristina Viegas, espantou-se com a revelação de que, entre as empresas encarregadas da estratégica tarefa de instalar a rede GSM e a TIM, não houve um único contrato firmado. Os acertos e encomendas eram feitos por e-mail, segundo informou em juízo o empresário Cláudio Rafaelli, cotista e administrador de pelo menos sete das falidas.
Para o magistrado, chamou a atenção o fato de que os dirigentes das empresas falidas faziam rodízio de cargos, inclusive com suas contratantes.
Para Abrão, a ligação orgânica das firmas com a TIM é evidente. Um exemplo, afirma, é o executivo Draja Mihajlovic, controlador da Cral Carvalho Consultoria. Num curto espaço de tempo, ele passou de diretor da Ericsson para a presidência da TIM São Paulo, de onde saiu para dirigir a Cral.
Outro personagem notório é Gianni Grisendi, superintendente da Bombril, empresa que está sendo investigada por suspeita de receber e enviar ao exterior grandes somas em dinheiro de origem duvidosa. Grisendi foi presidente da TIM Brasil, da Italtel (que foi coligada da Telecom Itália) Parmalat e Bombril. A falida que ele dirigia era a Acquasparta.
Cáustico, o juiz que decretou a quebradeira coletiva, registrou em seu despacho, a respeito do depoimento de Grisendi, que o empresário confundia o endereço de sua casa com o da empresa e disse ser “de estranhar, no mínimo, que o executivo, antigo presidente da Parmalat, agora indicado pelo governo da Itália para fazer trabalho junto à Bombril, pudesse estabelecer laços confusos entre as empresas de telefonia e esvaziar os patrimônios, com enorme passivo, e zeradas as contas bancárias em data que antecedeu o pedido de quebra”.
Os números da farra são impressionantes. No primeiro quadrimestre de 2003, nas vésperas de pedirem a moratória “de forma inaceitável e pouco ética”, segundo Abrão, as empresas brasileiras controladas remeteram para o exterior, mais de 3 milhões de dólares, “a título de juros de empréstimos (sic) e remessa CC5” — “tudo evidenciando a finalidade e consecução da meta de prejudicar os credores”.
O juiz oficiou ao Ministério da Justiça e ao Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, apelando para que o governo e seus agentes de rastreamento de desvios “contribuam para a volta ao país da soma expressiva remetida ao exterior e para empresas do grupo”.
Procurada pela revista Consultor Jurídico, a assessoria de imprensa da TIM disse não ter condições de informar sobre o grau de intimidade societária do grupo com as empresas que o atendiam, uma vez que os integrantes do departamento jurídico já não se encontravam no local de trabalho no final da tarde desta terça-feira.
Mas o DNA da constelação é no mínimo intrigante: elas foram criadas com a privatização da telefonia estatal italiana e, até agora, gravitavam em torno da Telecom Itália, apoiando o esforço empresarial da multinacional dentro e fora de suas fronteiras. Algumas delas, pelo que apurou o Ministério Público Federal, foram criadas no Brasil especificamente para serem fornecedoras da TIM.
O carro chefe da débâcle registrada na 42ª Vara Cível de São Paulo, aparentemente, é a Tecnosistemi, empresa fornecedora da Telecom Itália em doze países do mundo — entre eles Suíça, Grécia, Luxemburgo, Espanha, Portugal e México. Seu faturamento de estréia no Brasil, em 2001, foi de R$ 206 milhões. Ela veio para o País em função dos contratos da nave-mãe.
Não fosse levada à lona precocemente, sua receita para este ano seria de R$ 430 milhões, segundo suas próprias previsões. A TIM informa que não mantém relações comerciais com a Tecnosistemi desde o segundo semestre de 2002. A fornecedora, segundo a TIM, vendeu os equipamentos para a implantação do GSM.
A origem da Tecnosistemi é a Italtel, que funcionou como sua incubadora enquanto a empresa era ligada à Telecom Itália, depois da privatização da Stet. Com atuação versátil, a Tecnosistemi, enquanto estava em atividade, manteve “joint-venture” com a Ericsson.
Entre os números há altos e baixos. Junto com os quase 700 protestos e pedidos de falência há até postos de gasolina cobrando pinduras que, pelo jeito, não serão recebidas. O site do Tribunal de Justiça de São Paulo registra a surpreendente lista de 80 advogados no caso.
Além da Tecnosistemi, fazem parte da constelação as empresas Eudósia, Metalpark, Acquasparta, Servsite, Cral, Denwabras, Palas Athena, Technosson, SAI Brasil, Tecnolux, Net Systems e Sisargas. Algumas ainda tentam suspender a falência e obter os favores de concordatárias e já teriam obtido liminar.
A investigação aponta indícios de que um dos objetivos da teia de empresas era simular remessa de lucros para o exterior como se fosse pagamento por serviços — uma forma disfarçada de evasão de divisas.
O juiz Abrão mandou desconstituir a personalidade jurídica das empresas para responsabilizar seus sócios, quase todos italianos. O magistrado chamou de “conceitualmente gritante, estarrecedora e sem outras palavras, a tamanha falta de ética empresarial, transparência e prestação de contas ao mercado”. Em ofício à Polícia Federal, o juiz proibiu a saída dos executivos do país e bloqueou todas as contas e bens das pessoas físicas e jurídicas envolvidas.
O resultado das investigações, pelo que se vê no despacho do juiz, leva a marca da camorra. Sem dúvida alguma, diz, “se compara ao Grupo Parmalat, de estrutura obscura e altamente complexa a sua formação corporativa, a qual passou a ter existência com a crise do grupo Cirio, em 1999, passando a gerir o ramo de laticínios, donde a figura do Sr. Gianni Grisendi não é estranha”.
Grisendi é executivo da Bombril, controlada pelo grupo Círio, que foi liquidado no último 31 de julho. A empresa de palhas de aço de mil e uma utilidades tem a Polícia Federal nos seus calcanhares pelos mesmos motivos que colocam agora a Tecnosistemi, e suas outras parceiras, na mira da Justiça.
Segundo os autos, não se tem, ainda, a extensão das fraudes e “a magnitude dos danos cometidos no mercado, dado o entrelaçamento e o vetor de braços com empresas em paraísos fiscais”. Mas já se pode afirmar que “a extensão poderá agregar outras empresas se por ventura ficar comprovado o grau de ligação e o nexo fraudulento entre todas elas”.
As empresas que tiveram a falência decretada são, na verdade, galhos de uma árvore que se comunicam através de participações societárias entre elas. A prática é lícita no mundo dos negócios, mas é também utilizada por companhias criadas com intenções escusas e que usam a teia de empresas para dificultar o rastreamento de pistas.
Sobre a Tecnosistemi paira a suspeita de superfaturamento de serviços junto a TIM (Telecom Itália Móbile), envio de dinheiro para a Itália e mesmo de lavagem de dinheiro, o que motivou investigação do Ministério Público.
Italiana de origem, a Tecnosistemi instalou-se no Brasil em 1999, através de contrato com a TIM, tendo sido responsável pela construção e manutenção das redes da TIM.
Em 2001, o faturamento da Tecnosistemi foi alcançado única e exclusivamente com os serviços prestados à área de telefonia, principalmente os contratados junto a TIM. Seu crescimento foi vertiginoso e, dois anos após chegar ao Brasil, já era o segundo faturamento do grupo no mundo.
A Tecnosistemi só passou a existir depois da onda de privatizações que varreu a Europa. Na Itália, surgiu em 1998 com a privatização da Stet, estatal italiana de telecomunicações, e “mãe” da Telecom Itália.
No mundo dos negócios, os labirintos de empresas coligadas podem ser comuns, mas são também quase indecifráveis. Contudo, ficam pistas sugestivas pelo caminho. Uma delas é que o grupo Círio, dono da Bombril, era controlado pela empresa Capitalia, italiana.
Em outubro, a Capitalia liderou o pool de bancos que financiou a empresa Olímpia na operação que elevou sua participação acionária no capital da Telecom Itália.