Ao baixar, repentinamente, Medida Provisória para prorrogar o prazo para revisão de aposentadorias, o governo Lula repetiu comportamento cada vez mais comum na linha jurídica do Planalto: lentidão na iniciativa, equívoco na ação e recuos. Pelo menos é o que se tem visto nas áreas da reforma agrária, previdência e saúde.
Não fosse o alerta dos Juizados Especiais, de que iria esgotar em poucos dias o prazo para apresentação dos pedidos de revisão de aposentadoria, o problema seria ainda maior. Para consertar a situação, o governo baixou MP (que, segundo o PT de antigamente não poderia ser usada para material processual) estendendo para dez anos o prazo em questão.
O problema é que, da maneira como foi feita, a norma comporta a interpretação de que, em vez de mais cinco anos, o beneficiário disporá de mais dez anos para pedir a revisão. Mais: a revisão permitida já não seria apenas para as hipóteses da Lei 9.711, mas para todo tipo de situação. Com isso, interpreta um juiz do Rio de Janeiro, “o governo deu mais que um tiro no pé — atirou foi no corpo todo”.
Para o juiz federal Flávio Dino, o governo agiu corretamente ao resgatar o prazo de dez anos. “Sem a MP os Juizados Federais se inviabilizariam”, afirma. Para dar uma noção estatística do que diz, Dino informa que nos últimos dois meses os Juizados foram entupidos com 1,2 milhão de processos previdenciários. Esse número representa cerca de 150% de todo o volume de ações levadas aos JEF desde a sua criação, em janeiro de 2002 (859 mil processos, até 31 de agosto deste ano).
No geral, entretanto, o tipo de crítica mais comum à praxis petista continua sendo a de que a administração continua copiando o que se fazia no governo anterior, não necessariamente os acertos. Nesse caso da Previdência, em que os índices de correção já estão pacificados, o governo poderia aliviar o Judiciário de toda essa carga solucionando os casos administrativamente.
Adotasse a tática do acordo em vez de cultivar o litígio, o governo economizaria mais que juros de mora e adicionais. A União economizaria o próprio Judiciário.
Considerando que o custo estimado por processo na Justiça Federal seja de R$ 1,5 mil, a despesa que se tem em 1 ano de trabalho para solucionar a demanda de ações previdenciárias é de quase R$ 1 bilhão — uma despesa que, aplicada em outros setores da vida nacional seria muito melhor aproveitada.
O esgotamento do prazo foi percebido em setembro pelo Juizado Especial Federal Previdenciário. A Lei 9.711 de 20 de novembro de 1998 concedia um prazo de cinco anos para aposentados, que tiveram benefícios concedidos entre março de 1994 e fevereiro de 1997, pleitearem a diferença referente a não-aplicação do IRSM (Índice de Reajuste do Salário Mínimo) em seus salários, o que daria 39,67% a mais.
O primeiro erro de interpretação ocorreu quanto ao prazo final para que os aposentados pudessem dar entrada na justiça e assim rever o valor das suas aposentadorias. Decorridos cinco anos desde o dia 20 de novembro de 1998, a data limite deveria ser 20 de novembro de 2003. Porém, para o ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini, o último dia para dar entrada ao pedido de revisão na Justiça seria 30 de novembro. Mas como esse dia cai num domingo, a Previdência entendeu que a ação poderia ser ajuizada até 28 de novembro. Esse prazo não tranqüilizou os aposentados que formaram enormes filas nas portas dos INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
“Tivemos cerca de 8.500 pessoas na porta do JEF – Juizado Especial Federal Previdenciário, mesmo tendo disponibilizado na Internet o cadastro para que os aposentados entrassem com a ação, enviando-o pelo correio”, conta Leila Paiva, juiza federal presidente do JEF.
A confusão estava feita. Atendendo a diversos pedidos, no dia 19 de novembro, o governo baixou a Medida Provisória nº 138, que prorrogou por mais cinco anos o prazo para pedir a revisão nos valores das aposentadorias. Tal medida tranqüilizou os segurados. No entanto, outra dúvida surgiu. Desta vez, quanto ao prazo determinado pela MP.
A Previdência informa que o prazo para os segurados moverem ações vai até 2008. Porém, há interpretações de juizes de que a Medida permite a extensão do prazo em 10 anos, ou seja, até 2013. Mais ações contra governo.
Como se isso não bastasse, a Cobap (Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas) entrará com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a revisão no valor de aposentadorias, entre 1980 e 1988, alegando que também houve erro na aplicação do índice nesse período.
Para a juíza Leila Paiva, a Medida Provisória veio atender, principalmente, aqueles que não puderam ingressar com o pedido de revisão. Mas ganhar as ações vai depender da atuação do Judiciário. A juíza diz ainda que o direito dos aposentados em poder rever o valor de suas aposentadorias é, sobretudo, um direito à cidadania.