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O acesso à Justiça no Brasil

O propósito do presente trabalho é fazer um exame do acesso à justiça no Brasil como uma garantia fundamental, constitucionalmente assegurado, começando com uma análise histórica desse instituto, conceituação, bem como suas principais categorias: negociação, conciliação, mediação, arbitragem, facilitação do diálogo e aconselhamento patrimonial. Abordaremos ainda, não de forma exaustiva, os obstáculos e fatores que dificultam o acesso à justiça. Limitamos, inicialmente, nosso universo, na reflexão de dois dos fatores que dificultam o acesso à ordem jurídica, a saber: a questão sócioeconômica no Brasil e a morosidade da justiça. Finalizando, sugerimos na nossa pesquisa, alguns mecanismos de enfrentamento aos mais usuais entraves à efetivação do Acesso à Justiça como: a questão da educação jurídica, a popularização das formas extrajudiciais de acesso à justiça, o fortalecimento da Defensoria Pública, a atuação plena dos Juizados Especiais e a arbitragem como forma de acesso à justiça.
  1. 1.            Um breve histórico das formas de pacificação de conflitos

Quando o homem ainda não vivia em sociedade, encontrava-se no que Thomas Hobbes chamava de “estado de natureza”. Tal expressão refere-se à condição primitiva em que, na solução dos conflitos, prevalecia a força. Era a “guerra de todos contra todos”.  Pode-se dizer que foi com a adesão ao contrato social que a sociedade evoluiu e chegamos, hoje, ao Estado de Direito.

Assim como no desenvolvimento da vida social, a administração da justiça também apresentou evoluções. Em um Estado fraco, ainda em formação, não havia leis, nem órgão encarregado de distribuir justiça. Na solução dos conflitos, prevalecia, então, a força. Tal regime é conhecido por autotutela ou autodefesa. Nele, o juiz, que também é parte, impõe à outra, a sua decisão.

Temos, por outro lado, que na autocomposição, um dos litigantes, ou ambos, declinam de seu direito, ou de parte dele. Essa forma de solução de litígios se divide em três: desistência, submissão e transação. Na primeira, uma das partes desiste, renuncia ao que pretendia. Na segunda, uma das partes não opõe mais resistência à pretensão da outra. Na última, ocorrem concessões mútuas.

Depois de um certo tempo, notou-se a significativa parcialidade existente em todas as soluções de conflitos existente. A fim de se ter um julgamento imparcial, surge a figura do árbitro, como pessoa estranha ao conflito, mas da confiança das partes. Inicialmente, a arbitragem era facultativa. Posteriormente, com o fortalecimento do Estado, passou a ser obrigatória, ficando proibida a autotutela. Com o crescente fortalecimento do Estado, surge, como forma de pacificação dos conflitos, a jurisdição. O juiz, representante do Estado, examina a questão e decide.

Nos ensina Cândido Rangel Dinamarco que:

Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão num litígio deduzido em processo. Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupo de pessoas, em relação ao bem pretendido ou à situação imaterial desejada ou indesejada. Receber tutela jurisdicional significa obter sensações felizes e favoráveis, propiciadas pelo Estado mediante o exercício da jurisdição (DINAMARCO, 2004, p.104).

 

Atualmente, vivendo sob a égide do Estado de Direito, o homem entrega parte de sua liberdade à soberania estatal. Assim, não pode mais fazer justiça com as próprias mãos. Uma parte não pode mais interpelar a outra. É o órgão estatal competente que age em substituição às partes. Portanto, hoje, cabe ao Estado promover a paz social, através da ampla distribuição de justiça (CINTRA, 1991, p.21-24).

  1. 2.    O conceito de Acesso à Justiça

            É muito comum entender restritamente o conceito de Acesso à Justiça como uma garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário, inserta no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. Regra geral, a idéia de garantia de Acesso à Justiça está vinculada ao processo judicial, desde o ajuizamento da ação, passando pelo regular desenvolvimento processual, ideal de justiça contido nas decisões judicial, até a garantia de utilidade nas decisões judiciais (CINTRA 1991, p. 34).

No entanto, compreender o conceito de Acesso à Justiça como o equivalente ao Acesso ao Judiciário, nos dias de hoje, é incorrer em equívoco de natureza metodológica. É restringir um gênero conceitual a apenas uma de suas espécies. De fato, Acesso à Justiça é a garantia de acesso ao Poder Judiciário, mas não apenas. O ideal de Acesso à Justiça representa conceito mais ampliado, que envolve solução de disputas, estatal ou não, e assessoria jurídica, expressa por educação jurídica e consultoria.

Desse modo, de forma sucinta, podemos afirmar que a noção de Acesso à Justiça está diretamente relacionada à busca do valor de Justiça pela sociedade. Ou nas palavras de Horácio Wanderlei Rodrigues, o Acesso à Justiça é o “acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano” (1994, p. 28).

Logo, o acesso à justiça não pode ser resumido no singelo acesso ao Poder Judiciário. O tema acesso à justiça não significa gratuidade universal no acesso aos tribunais, tão cara aos ideais românticos do individualismo liberal e que, por toda a parte, se tem, em absoluto, por utópica, mas a garantia, essa sim universal, de que a via judiciária estaria franqueada para defesa de todo e qualquer direito, tanto contra particulares, como contra poderes públicos, independentemente das capacidades econômicas de cada um.

Na verdade, por acesso à justiça deve se entender a proteção a qualquer direito, sem qualquer restrição econômica. Não basta a simples garantia formal da defesa dos direitos e o acesso aos tribunais, mas a garantia de proteção material destes direitos, assegurando a todos os cidadãos, independentemente de classe social, a prática do justo.

  1. 3.            Acesso à Justiça: um direito fundamental no Brasil

O acesso à justiça no Brasil é tido como um direito fundamental, expresso no artigo 5º, Inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Assim, o acesso à justiça, direito fundamental constitucionalizado, tem aplicação imediata, exigindo-se, do intérprete, interpretação que conduza ao entendimento, que acesso à justiça, não é acesso as instalações concretas do Judiciário, mas sim que essencialmente deve-se primar pela realização efetiva da Justiça, como valor sem o qual o ser humano não vive, tendo em vista que pela autotutela haveria a destruição da humanidade.

Neste sentido, faz-se oportuna a colocação de Norberto Bobbio (2006, p. 24 – 25):

Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexeqüibilidade. Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições. O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.

 

Nota-se que a preocupação com o mundo globalizado e com a efetivação dos direitos do homem efetua a busca pelo acesso à justiça, sendo que essa busca tem se manifestado de diversas formas, todas exigindo do Estado Nacional que concretizem o direito fundamental de acesso à justiça, para a resolução das mais complexas relações sociais do âmbito da pós modernidade.

Tais preceitos de possibilidade de acesso à justiça são fundamentalmente buscados nas legislações como é o caso do Art. 25, da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos que dispõe:

Art. 25 – Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

 

Da leitura do artigo supracitado tem-se que na busca pela efetivação do acesso à justiça entende-se que as decisões judiciais, proferidas contra o Estado devem ser executadas efetivamente, e a comunidade internacional entende-se que para isso o recurso de abertura ao acesso à justiça seja simples, rápido e efetivo.

Desta forma, a leitura que deve se fazer do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, é a de que acesso à justiça é acesso à justiça material, efetiva, concreta, bem como deve-se ter em mente que o acesso à justiça também é a realização do objetivo principal do Estado Democrático de Direito: a concretude dos direitos fundamentais, a garantia dos direitos dos governados.

 

 

4.            Categorias de Acesso à Justiça

Pode-se categorizar o Acesso à Justiça como um grande gênero conceitual, que traduz a busca pela efetivação de direitos. Deste gênero decorreriam duas grandes espécies: assessoria jurídica e solução de disputas[1].

4.1. Assessoria Jurídica

Essa espécie de acesso à justiça, a nosso ver, envolve a idéia de compartilhamento de noções de direitos aos destinatários em forma de educação jurídica, consultoria – emissão de pareceres, e a assessoria jurídica comunitária.

A inclusão desta espécie, como decorrente do gênero Acesso à Justiça, é o que justifica a amplitude deste. Na medida em que se admite Acesso à Justiça não só como o acesso ao Poder Judiciário, ou provocação da jurisdição estatal, é de se acrescentar que o acesso a um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos (CAPPELLETTI ; GARTH, 1988, p. 12), se dá também por meio de ações preventivas. Ou seja, Acesso à Justiça se efetiva também por ações como a educação jurídica, promovida individual ou coletivamente – assessoria jurídica comunitária, e a emissão de pareceres, como forma de esclarecimento sobre determinada questão de natureza jurídica.

4.2. Soluções de Disputas

Essa espécie subdivide-se em soluções judiciais e soluções extrajudiciais de disputas.

A solução judicial de disputas é reconhecida como a prestação jurisdicional do Estado. Entenda-se como função, aquela prestada pelo Estado, no sentido de promover a pacificação de conflitos, mediante a realização do direito justo e através do processo legal.

Se por um lado caracteriza-se como jurisdição estatal, por outro a solução judicial de disputas pode ser entendida como o próprio direito de ação. Na perspectiva do sujeito, segundo José de Albuquerque Rocha (2001, p. 165), a busca pela efetivação do direito pela via judicial, ou seja, a procura pela solução judicial da disputa de natureza jurídica apresentada se efetiva por meio do direito fundamental à prestação jurisdicional do Estado.

Desse modo, a solução judicial de disputas deve ser entendida como jurisdição estatal, vista pelo aspecto da função prestada pelo Estado e, na ótica do sujeito, como direito à prestação jurisdicional ou direito de ação.

Já as soluções extrajudiciais de disputas têm sido assim denominadas pela necessidade de situá-las em um campo conceitual diverso da referência tradicional de solução aplicada pelo ordenamento jurídico brasileiro: a solução judicial de disputas.

4.2.1. Formas extrajudiciais de soluções de disputas

As principais formas de soluções extrajudiciais de disputas reconhecidas, no atual estágio, pelo ordenamento jurídico brasileiro são: negociação, conciliação, mediação, arbitragem, facilitação do diálogo e aconselhamento patrimonial.

a)           Negociação

A negociação é um procedimento que envolve a idéia de transação para a solução de uma disputa de natureza instantânea. Os interessados tentam acordar sobre o que vai ser dado e o que vai ser recebido, com ou sem o auxílio de um negociador, vez que aqueles é que são os verdadeiros agentes negociadores no processo. Assim como a facilitação do diálogo, a negociação também pode ser compreendida como um procedimento autônomo ou uma fase de um outro procedimento de natureza mais complexa.

b)           Conciliação

A conciliação, por sua vez, é um processo de solução de disputas, endoprocessual ou extraprocessual, (CINTRA, 1991, p. 28) que envolve a solução de determinada disputa entre interessados momentaneamente adversários. O conciliador, cuja função é administrar a controvérsia de maneira ativa, deverá ouvir as partes e poderá aconselhar os interessados, explicar os pontos de natureza jurídica, auxiliar a avaliar as opções de solução, esclarecer os efeitos das possíveis soluções e por fim tentar dirimir a disputa. O conciliador apresentará uma postura neutra e imparcial, podendo, contudo, interferir diretamente na demanda.

c)           Mediação

A mediação é uma espécie de solução extrajudicial de disputas com vistas a solucionar disputa de natureza complexa, resultante de relacionamento anterior entre os interessados. Neste procedimento, os interessados buscam, com o auxílio do mediador, manter diálogos amistosos com o objetivo de tentar firmar um acordo entre si. A finalidade principal da mediação é a pacificação da relação existente entre os interessados. A postura do mediador deverá ser neutra, não sendo indicado que este participe da elaboração da solução. Recomenda-se que o mediador apenas conduza a conversa, não interferindo diretamente em momento algum do processo.

A mediação justifica-se pela existência de uma relação anterior entre os interessados. Como corresponde a um procedimento mais criterioso e que tem por finalidade não apenas a solução da controvérsia aparente, mas a real pacificação dos conflitos pode exigir, para sua concretização, mais de uma sessão.

d)           Arbitragem

Segundo José de Albuquerque Rocha (2009, p. 105), a arbitragem é o “meio de resolver litígios civis, atuais ou futuros, sobre direitos patrimoniais disponíveis, através de árbitro ou árbitros privados, escolhidos pelas partes, cujas decisões produzem os mesmos efeitos jurídicos das sentenças produzidas pelos órgãos do Poder Judiciário”.

Acrescente-se ainda em relação à arbitragem que esta constitui uma forma de jurisdição não estatal. Isto é, a um terceiro ou terceiros, que não o Estado, é dado o poder, pelos interessados, de dizer o direito e assim decidir a disputa, vinculando-os quanto ao conhecimento do direito. Registre-se que a arbitragem não alcança o processo de execução, vez que o monopólio legítimo da força é exclusivo do Estado.

e)           Facilitação do diálogo

Essa é mais uma forma de solução extrajudicial de disputas que representa um estímulo à retomada do diálogo entre pessoas envolvidas, no estágio inicial de controvérsias de qualquer natureza. O facilitador do diálogo buscará restabelecer a comunicação entre os interessados, no intuito de dirimir a disputa. A facilitação do diálogo tanto pode ser compreendida como uma fase de um outro procedimento de solução extrajudicial de disputas mais complexo, como um procedimento autônomo. É tida como a espécie de solução extrajudicial de disputas que possui conceito mais ampliado, com incidência sobre todas as demais.

f)             Aconselhamento patrimonial

O aconselhamento patrimonial é uma modalidade de solução extrajudicial de disputas relacionada a problemas de divisão de patrimônios pessoais ou societários. Constitui um meio que irá patrocinar acordos de divisão de patrimônio, inserindo-se nesse rol a partilha antecipada de bens familiares, tendo como referência o aproveitamento socioeconômico do patrimônio individualizado dos interessados.

  1. 5.            As limitações do Acesso à Justiça

Já sabemos que o acesso à justiça é um direito fundamental garantido constitucionalmente, e que a sua garantia formal é indubitável, já o mesmo não se pode afirmar em relação à sua efetivação. Diversos são os obstáculos descritos pela doutrina mais especializada. Segundo Cappellettie Garth (1988, p. 15-26), as custas processuais, a possibilidade das partes e os problemas especiais dos direitos difusos são as principais barreiras da efetivação do Acesso à Justiça. Já Rodrigues (1994, p. 31-50) entende como problemas à efetivação do Acesso à Justiça: a desigualdade sócio-econômica, ou melhor, o quadro de miserabilidade da população brasileira; a ausência de informações e orientações jurídicas; a legitimidade para agir; a capacidade postulatória; a técnica processual e o Poder Judiciário. Cintra (1991, p.34), na medida em que relaciona o Acesso à Justiça à idéia de acesso amplo, regular e justo ao processo, indica como óbices à consecução do objetivo de “eliminar conflitos e fazer justiça” os seguintes pontos: dificuldades econômicas e sociais no ingresso em juízo, inobservância do princípio do devido processo legal e ausência de justiça e utilidade das decisões.

Considerando que o Acesso à Justiça pode ser compreendido como um meio de possibilitar à população o reconhecimento do valor de Justiça, na perspectiva mais ampla que a Justiça como instituição, cabe-nos investigar quais os maiores obstáculos que impedem que tal acesso seja amplo. Ao escrever sobre as “Justificativas para adoção de tutelas sumárias”, Bedaque (2003, p. 28) ensina:

Inúmeras são as dificuldades enfrentadas por quem se dispõe a pleitear a tutela jurisdicional do Estado, na tentativa de obter proteção a um direito lesado ou ameaçado. A Justiça está em crise, não só no Brasil, como na maioria dos países. E crise na Justiça implica, necessariamente, Crise de Justiça.

 

Os fatores que contribuem para esse estado de verdadeira calamidade podem ser resumidos basicamente em condição de pobreza e ausência de orientação jurídica às comunidades, alto valor das custas processuais, dificuldade de acesso ao advogado e desconhecimento das formas extrajudiciais de solução de disputas. Para efeito deste trabalho, passamos a identificar como obstáculos à plena efetivação do acesso à justiça, a questão sócio econômica no Brasil e a morosidade da justiça.

5.1. A questão sócio econômica no Brasil

A dificuldade da população pobre do acesso as informações que possibilitem o conhecimento do direito, acrescida do valor das custas processuais do processo nos tribunais, acarreta barreiras socialmente intransponíveis para o acesso à justiça, haja vista o nível precário das condições econômicas da sociedade brasileira.

A grande dificuldade no custeio das despesas necessárias ao litígio sempre foi considerada em todos os estudos sobre o acesso aos tribunais. A primeira onda nas soluções práticas para os problemas de acesso à Justiça, segundo Cappelletti (1988, p. 28), era justamente a assistência judiciária para os pobres. Segundo ele, depois de reconhecer que o acesso à Justiça é um dos valores fundamentais da própria democracia, ele constata que a possibilidade de acesso à Justiça não é efetivamente igual para todos: são gritantes as desigualdades econômicas, sociais, culturais, regionais, etárias, mentais.

A questão do acesso das pessoas de baixa renda à justiça não está limitada apenas a extinção das custas processuais, mesmo considerando que a exclusão das custas processuais traria benefícios ao litigante de menor poder aquisitivo. A isenção irrestrita das despesas processuais provavelmente beneficiaria as classes privilegiadas, além de se exigir a cobrança de novos impostos para o rateio do pagamento das despesas do processo por toda a sociedade. Além das custas, a necessidade de um advogado encarece a parte quando tem de litigar na Justiça. A nomeação de advogado gratuito possui inconvenientes. Primeiro, por criar-se um préstimo de segunda classe. Quase sempre é nítida a distinção entre o trabalho do advogado constituído e o do dativo. Depois, o causídico encarregado de patrocinar a causa de um pobre corre o risco de fazê-lo de maneira diferente de como o faria se tivera sido contratado. Problema que não é só brasileiro, mas já foi detectado em países de primeiro mundo, onde muitas pessoas entendem, com alguma razão, que um advogado, ao colocar-se na posição de advogado dos pobres e, de fato, ao tratar os pobres como se fossem incapazes de perseguir seus próprios interesses, é muito paternalista. Tratem-se os pobres, dizem elas, simplesmente como indivíduos comuns, com menos dinheiro.

Parece-nos que mesmo fornecendo aos necessitados advogados e auxiliares da justiça competentes, corremos o risco do profissional contratado para a defesa de um pobre não o defender de maneira idêntica se estivesse sido contratado por uma pessoa de posses. Ademais, a adoção deste sistema – gratuidade integral de todas as despesas processuais -, somente estaria a resolver os obstáculos econômicos do acesso à justiça, deixando adormecido e sem qualquer solução as barreiras sociais e culturais da sociedade.

Em outras palavras, a solução econômica de acesso à justiça não resolveria a educação jurídica dos cidadãos e a conscientização dos direitos sociais dos trabalhadores, consumidores, inquilinos, jovens, mulheres, criança, negros, entre outros.

Nos dias atuais não se pode admitir esse alheamento. Vencer a pobreza é dever positivado na Constituição da República. Ninguém está liberado desse compromisso. E se a cruzada contra a miséria é a única alternativa para redesenhar o futuro do Brasil, dela não pode estar excluído o juiz, que como servidor do povo, precisa estar atento à intenção do pacto fundamental: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. Que isso não sirva para neutralizar, singelamente, a imparcialidade, mas atue no sentido de reclamar adequada aplicação do princípio da isonomia, de molde a conferir desigualdade de tratamento aos naturalmente desiguais. Insistir no mito da igualdade formal é aprofundar o fosso que separa despossuído e poderoso. Além de manter o juiz na sua rigidez mental, que não permite ao menos enxergar, quanto mais entender, a crise com que o Judiciário se defronta.

O problema da pobreza, a primeira onda do movimento do acesso à Justiça, na formulação de Cappelletti, não só deixou de ser solucionado, como intensificou-se neste final de milênio. Ele ainda está presente e suscita a constatação de que as liberdades civis e políticas tradicionais são uma promessa fútil, na verdade um engodo para aqueles que, por motivos econômicos, sociais e culturais, de fato não são capazes de atingir tais liberdades e tirar proveito delas.

Se a distribuição de renda não sobrevier, se a miséria não for amenizada com urgência, já não se justificará a preservação do equipamento estatal chamado Justiça. Escapa-lhe rapidamente das mãos o poder de restabelecer o justo concreto, pois assim como o capital internacional – e sem pátria – se subtrai à incidência da autoridade judicial, o crescimento da miséria reduz ainda mais o universo de sua atuação. O pobre tem seus problemas resolvidos na polícia, nos postos de saúde ou nas seitas evangélicas. É raro o seu dia na Corte.

5.2. A morosidade da Justiça

A morosidade na solução de conflitos consiste na crítica mais ferrenha dirigida ao Poder Judiciário. Na medida em que a Constituição assegura o acesso à justiça, concomitantemente com a garantia da apreciação judicial de qualquer lesão ou ameaça a direito, o Estado na prática tem criado normas e exigências que dificultam o acesso aos tribunais.

É bem verdade que a Constituição Federal Brasileira assegura a todos tratamento isonômico, conforme demonstra o artigo 5º já em seu caput. Mas, a dura realidade demonstra que o sistema jurídico nacional se omite quanto à questão da ineficiência dos meios processuais, não garantindo à população o acesso a justiça.

O acesso à justiça constitui uma luta diária para a maioria dos cidadãos, já que o termo “igualdade para todos” ainda é visto como uma falácia, mesmo após uma luta histórica pela implementação deste direito fundamental. Observa-se que no estado burguês dos séculos XVIII e XIV vigorava uma filosofia individualista para a solução dos litígios civis e mesmo hoje, quando a idéia que prepondera é a da coletivização de direitos, o que assistimos é que apenas alguns poucos são beneficiados por esse direito fundamental.

Um dos grandes problemas ligados a falta de efetividade do acesso a justiça está atrelada a questão na demora do julgamento dos processos. Pesquisa feita por órgãos governamentais demonstram o perfil do Judiciário brasileiro e comprovam que muitos são os pontos que precisam ser melhorados, desde a pouca contratação de profissionais, a falta e aparelhamento do órgão para atender a demanda cada vez mais crescente e os altos custos que o trâmite processual acarreta para os indivíduos que buscam do Estado uma solução para os seus litígios.

O atual Código de Processo Civil apresenta-se arcaico, ineficiente e não mais condizente com a realidade contemporânea, onde muitos são os processos e grande é a pressa na resolução dos conflitos levados ao Judiciário.

Mais do que em qualquer época da história, o tempo urge e esperar mais de cinco anos para receber um provimento jurisdicional assemelha-se a não ter do Estado a satisfação exata de um direito. É, na verdade, sofrer impensáveis e veementes prejuízos, os quais, em determinadas ocasiões, são irreparáveis.

Tem cada vez mais se notado que o excesso de formalidades antes de ser uma garantia contra as arbitrariedades perpetradas pelo Poder Público, pode acabar resultando em um impedimento ao acesso à Justiça.

É diante desse panorama que muitos processualistas modernos vêm buscando a exaltação dos princípios da instrumentalidade, da oralidade, e da economia processual como metas a serem atingidas pelo processo civil moderno. E é sem dúvida na busca por esse processo civil mais humano e mais digno que tem se baseado as últimas reformas.

Várias foram as tentativas de atualização do Código de Processo Civil, dentre elas estão as realizadas pelas Leis 10352/01, 10358/01 e 10444/02. Além das modificações que visaram implementar a questão da celeridade dos processos no âmbito civis, a modificação de alguns dos dispositivos retificou erros antigos e ajustou o regramento a outros preceitos de ordem legal, evitando contradições na aplicação das leis o que acabam criando divergências que acabam implicando em injustiças.

Joel Dias Figueira Júnior (2002, p.03), comentando a Lei n. 10.444/02, afirma:

[…] o processo de conhecimento clássico não compadece, de regra, com as ações sincréticas, que são justamente aquelas que admitem, simultaneamente, cognição e execução, isto é, à medida que o juiz vai conhecendo e, de acordo com as necessidades delineadas pela relação de direito material apresentada e a tutela perseguida pelo autor, vai também executando (satisfazendo) provisoriamente, fulcrado em juízo de verossimilhança ou probabilidade. Significa dizer que as ações sincréticas não apresentam a dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão interlocutória de mérito (provisória) ou a sentença de procedência do pedido (definitiva) serão auto-exeqüíveis.

 

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, tornou-se imperiosa a programação de nova etapa da reforma do CPC, objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional, segundo o disposto no seu art. 7º, ao mesmo tempo em que se fazia mister dar efetividade ao novo preceito inserido no elenco das garantias fundamentais, dispondo que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (Const., art. 5º, LXXVIII). O Ministério da Justiça, por intermédio da Secretaria de Reforma do Judiciário, assumiu, então, a coordenação do trabalho de reforma do Código de Processo Civil, empenhado em conduzi-la, daí para frente, em consonância com as novas diretrizes constitucionais.

Apesar dos enormes esforços que estão sendo feitos no Brasil e no mundo, a demora das decisões judiciais traz um risco às partes, traduzindo muitas vezes em danos irreparáveis aos litigantes.

Mesmo que a lentidão do processo não seja somente um problema brasileiro, a consciência da sociedade nos dias atuais passa a exigir a celeridade nos feitos. Para tanto, deve o Estado aumentar os investimentos nas estruturas das organizações judiciais, difundir através de seus órgãos o conhecimento do direito, erradicar a pobreza em nosso país e assegurar o acesso à ordem jurídica justa. Em outras palavras, a consciência social hodierna brasileira passa a exigir que os tribunais nacionais assegurem o acesso à justiça, através da modernização do processo e de procedimentos operacionais e processuais, objetivando atender os anseios sociais de uma justiça eqüânime e justa para todos.

Não obstante o tratamento correlacionado tutela jurisdicional e o acesso à justiça, o surgimento de novos anseios definidos em novos direitos, podem agravar ainda mais a crise instaurada na jurisdição, fazendo com que haja a necessidade urgente da criação de mecanismos processuais eficientes para solução desses novos conflitos, fazendo com que se justifique por si só a importância e relevância do trabalho a ser desenvolvido.

Considerando-se o equilíbrio entre celeridade e eficácia processual e estes constituem elementos centrais da noção de políticas públicas de inclusão social através do acesso à justiça, bem como a utilização dos meios extrajudiciais de solução das lides, garantindo o acesso a resolução dos conflitos pelos sujeitos, sem deixar de lado a garantia cidadã.

Importante ressaltar que o Estado presta a jurisdição através do Poder Judiciário, como regra, resolve ou deveria resolver de forma efetiva os conflitos de interesses, tanto individuais quanto coletivos, com base na criação de uma determinada norma particular de aplicação ao caso concreto de forma que esta seja a forma mais justa e adequada a garantir a celeridade e a garantia de tutela buscada, observando-se as garantias processuais das partes consagradas na Constituição e no ordenamento jurídico.

A busca a este processo, através da tutela jurisdicional, que seja mais célere e eficaz está intimamente ligada à questão da obtenção de um processo razoável, neste sentido nem sempre o processo justo e equilibrado se compõe com o seguimento a risca dos procedimentos e norma processuais.

Engana-se, portanto, quem vincula o respeito ao devido processo legal à obediência de um tramite processual estabelecido em regras rígidas fixadas em lei. Além disso, não consta de nenhum dispositivo constitucional, não determina que o processo siga a risca as normas procedimentais estabelecidas em lei, mas, sim, que seja oportunizado às partes o direito a um processo justo, isto é, onde lhe seja assegurado o respeito às garantias constitucionais e às oportunidades previstas na norma processual, algo que pode ser perfeitamente alcançado ainda que com um procedimento que se adapte judicialmente a realidade (GAJARDONI, 2008, p. 102).

A importância de se flexibilizar o poder jurisdicional atrelado ao Estado vai ao encontro da garantia de sua mantença, tendo em vista que no momento em que o Estado não consegue garantir a efetividade da tutela buscada a autotutela ressurge diante das questões e conflitos sociais.

A excessiva demora do processo jurisdicional sempre foi uma barreira para a efetividade da garantia do acesso á justiça. Esta situação concretamente evidenciada nos órgãos jurisdicionais não caminha de forma conjunta com o monopólio da justiça do Estado, sendo que contribui para a inoperância de seus mecanismos e para a má imagem produzida pelas consequências da falta de compasso entre o direito e o tempo desaguando principalmente na intempestividade da resolução dos conflitos.

E esta crise realmente traz seus reflexos sendo que tal processo teria se findado em final do século XX, com a constatação da impotência do discurso da época para enfrentar os problemas ligados a sociedade que passa por transformações apurando-se as suas complexidades, além de suas características de individualismo e fragmentação.

Idéia também que pode ser contemplada é a de que o processo em sua estrutura de morosidade pode atrapalhar as visões de um determinado país, demonstrando assim a clareza da importância de instrumento que expressem a melhoria deste modelo atual e defasado de estrutura processual.

Nota-se que o princípio constitucional de acesso a justiça junto com o de razoável duração do processo, advinda da Emenda Constitucional 45, e a noção de acesso à parâmetros como os da mediação e arbitragem, complementam a idéia fundamental de busca pela celeridade e efetividade processual através da colaboração da partes, da flexibilização e aperfeiçoamento dos procedimentos de forma a efetivar o compasso na estruturação das garantias buscadas através do direito junto ao sistema judiciário, o que resulta no alcance da tutela jurisdicional.

Dessa forma o acesso à justiça apresenta-se como a mais elementar garantia do processo e da própria jurisdição, porquanto materializa a garantia constitucional de que o cidadão obterá dos poderes constituídos o respeito aos seus direitos e à pronta restauração daqueles que lhe forem violados.

Assegurar o pleno acesso a uma ordem jurídica justa é, nos dias de hoje, o maior desafio do processo, sendo que os processualistas modernos devem conhecer os vários mecanismos de solução de litígios e devem ampliar suas pesquisas para alem dos tribunais, nelas incluindo os aprendizados e métodos de outras ciências, como sociologia, psicologia, economia e política (MARQUES, 2007, p. 28).

Em suma, a sociedade brasileira exige transformações que possibilitem o acesso à ordem jurídica justa. É a consciência dos órgãos públicos, da magistratura, do executivo, do legislativo e da sociedade com um todo, ou seja, o clamor nacional contra a negação de acesso à justiça da população.

  1. 6.  Os caminhos para a efetivação do acesso à justiça no Brasil

O acesso à justiça no Brasil é um verdadeiro desafio diante de tantos obstáculos a exemplo da morosidade da justiça, das dificuldades sócio econômicas, dentre outras. Apoiado em referências bibliográficas e especialmente no campo empírico, pretendemos nesse ponto da nossa análise sugerir mecanismos de enfrentamento aos mais usuais entraves à efetivação do Acesso à Justiça, como os que passamos a discorrer a seguir.

6.1. A questão da educação jurídica

Partindo do pressuposto de que só há demanda de natureza jurídica se houve reconhecimento dos direitos garantidos, evidencia-se que Acesso à Justiça só se efetiva se houver educação jurídica. Assim, tendo como base experiência do Projeto de Cidadania Ativa[2] e do Escritório de Prática Jurídica-EPJ do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza-UNIFOR, pode-se afirmar que a educação jurídica operada nas Universidades pode contribuir para a efetivação do Acesso à Justiça em dois principais aspectos: acapacitação de lideranças comunitárias para que possam compartilhar conhecimento jurídico, na linguagem do povo, em suas respectivas comunidades, e a formação dosdiscentes do curso de direito, não apenas dotada de excelência técnico-jurídica, mas vocacionada à atuação profissional humanista e solidária.

É evidente que os cidadãos somente poderão usufruir da garantia formal da lei perante os tribunais, se conhecerem a lei e os seus direitos. Caso contrário, será letra morta a disposição constitucional que prevê que o Estado prestará assistência jurídica integral aos necessitados, além de sucumbir o princípio da igualdade jurídica que rege que dentro de uma mesma condição jurídica todas as pessoas devem ser tratadas de forma igual, independentemente da desigualdade financeira ou econômica.

A disseminação do conhecimento do direito na sociedade é dever do Estado, tribunais, organizações públicas e privadas, associações, sindicatos e demais entidades sociais. Pensamos que para a propagação do uso do direito, o Estado representado pelos órgãos públicos, desenvolveria campanhas para a difusão do conhecimento do direito em todas as classes sociais. De forma conjunta, as organizações privadas implantariam programas de distribuição de material didático para seus funcionários e familiares, com o objetivo de proporcionar o conhecimento de direitos e facilitar o acesso ao Poder Judiciário. Tudo isto, com o apoio das Organizações não Governamentais (ONGs) que participariam lado a lado do sistema, com campanhas de conscientização dos direitos de seus associados, através da imprensa, impressão de cartilhas e folhetos, sites na ‘internet’, cursos, revistas, entre outras formas de divulgação do direito.

Paradoxalmente, o órgão que deveria ser o mais interessado em proporcionar o acesso à justiça, quase não possui programas de divulgação de conhecimento do direito. Os tribunais deveriam assumir uma parte destes encargos com esclarecimentos de âmbito municipal, estadual e federal à população, objetivando facilitar o acesso à justiça.

Assim, as questões cotidianas poderiam ser esclarecidas pelos órgãos do Poder Judiciário, com a publicação de folhetos ou cartilhas instruindo o cidadão como resolver seus problemas com a justiça e ter acesso junto ao Poder Judiciário.

A difusão do conhecimento do direito deve ser efetuada por todos os órgãos do Poder Judiciário, dirigindo suas explicações as diversas parcelas da sociedade em que atuam estes tribunais: Tribunais dos Estados, Tribunais Federais, Tribunais do Trabalho, Tribunais Militares, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Militar e Supremo Tribunal Federal.

Logo, não basta que o Poder Judiciário busque melhorar o acesso à justiça com o aperfeiçoamento dos instrumentos e condições materiais de trabalho, mas deve também assegurar a disseminação do conhecimento do direito com vistas a possibilitar e facilitar ao acesso à justiça a todas as classes sociais.

6.2. Popularização das formas extrajudiciais de acesso à justiça

Os meios extrajudiciais de acesso à justiça ainda consistem em caminhos pouco conhecidos pela maioria da população. Contudo, reconhece-se que negociação, facilitação do diálogo, conciliação, mediação, aconselhamento patrimonial e arbitragem são meios eficazes de resolver disputas de natureza jurídica, na medida em que sua utilização corresponde à ampliação do leque de opções de Acesso à Justiça.

Para popularizar os meios extrajudiciais de acesso à justiça sugere-se, além de promover esclarecimento às comunidades sobre a utilidade de tais mecanismos, ofertá-las como serviço gratuito à população, juntamente com a possibilidade de ingresso ao Poder Judiciário, pela assistência jurídica gratuita oferecida pela Defensoria Pública Estadual, diretamente ou por intermédio de convênios firmados com cursos de direito[3].

É importante destacar que os meios extrajudiciais de acesso à justiça não se devem apresentar como alternativa vantajosa a uma experiência supostamente negativa do Poder Judiciário. Em outras palavras: há situações que, pelas características pessoais dos assistidos e pelas peculiaridades do objeto da disputa serão mais bem resolvidas extrajudicialmente, e outras tantas que só o Judiciário poderá efetivar a solução.

6.3.  O fortalecimento da Defensoria Pública

A Defensoria Pública Estadual é a instituição responsável pela assistência jurídica aos necessitados e representa o meio mais popular e eficaz para promover a assistência jurídica gratuita. A Constituição Federal no art. 134 assegura à Defensoria Pública o status de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, cujas atribuições são: orientação jurídica e defesa jurídica gratuita e integral, em todos os graus, dos necessitados.

É de fundamental importância, portanto, que haja o fortalecimento da instituição, com o aumento do número de Defensores Públicos disponíveis não apenas na capital, mas em todo o Estado, na proporção da demanda da população.

Não só o fortalecimento, mas também a acessibilidade da população à instituição em comento é também medida eficaz para a concretização do Acesso à Justiça. Sugere-se a descentralização da Defensoria Pública, em Núcleos Avançados, especializados ou não, como forma de aproximar a Defensoria Pública dos necessitados. Outra estratégia para concretizar o acesso da população à advocacia pública gratuita é a formalização de convênios com instituições de ensino superior que aliem ensino jurídico à prestação de assistência jurídica gratuita.

O fortalecimento da Defensoria Pública como instituição fundamental à concretização da justiça tem ainda relação direita com o problema do alto custo do acesso ao Poder Judiciário. Então, quanto mais fortalecida, presente e acessível estiver a Defensoria Pública, mais eficaz será a garantia constitucional de assistência jurídica gratuita.

6.4. Atuação plena dos Juizados Especiais

Os Juizados Especiais foram criados pela Lei nº 9.099 de 26-9-1995, na tentativa de facilitar à população o Acesso à Justiça, por meio de procedimento mais simplificado que o adotado pela Justiça Comum, gratuito e sem a presença de advogado6, quando possível.

De acordo com Luciana Gross Siqueira Cunha (2001, p. 68), a Lei 9099/95 dos Juizados Especiais “tinha como objetivo central trazer para o Poder Judiciário questões que, até então, não encontravam respostas satisfatórias, seja devido às altas custas judiciais, seja pela complexidade do seu encaminhamento dentro do sistema de Justiça.”

A desigualdade material e social, como já visto, é um dos obstáculos mais sérios ao acesso à justiça. Os Juizados Especiais, por isso mesmo, são concebidos dentro dessa perspectiva ontológica e política de democratização do processo e de dignificação do homem, como um canal aberto para o exercício da cidadania. Neste sentido, os Juizados prestam uma tutela diferenciada, aliando critérios de rapidez e segurança para assegurar ao cidadão comum o acesso à Justiça, atendendo ao princípio fundamental da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal, corolários lógicos do Estado de Direito.

É necessário que se diga, entretanto, que com o sistema de Juizados o que se colima não é resolver a crise do Judiciário, ou a sua disfuncionalidade. Os problemas que o envolvem somente podem ser enfrentados com melhor dotação orçamentária, com uma adequada e moderna legislação processual e de organização judiciária, com uma melhor infra-estrutura material e pessoal. O objetivo perseguido é a canalização de todos os conflitos de interesses, mesmo os de pequena expressão, para o Judiciário, que é o local próprio para a sua solução.

Logo, os Juizados Especiais têm por objetivo precípuo ampliar o Acesso à Justiça. No entanto, identificam-se algumas dificuldades na estruturação e funcionamento dos mencionados órgãos que refletem diretamente no efetivo cumprimento de sua função: pequeno número de Juizados instalados, carência de estrutura física e de pessoal, competência e capacidade das partes para demandar restritas, entre outras. Além do que, tais dificuldades acabam por assemelhar os Juizados Especiais à estrutura do Poder Judiciário ordinário, fato que contraria a intenção da Lei 9099/95.

Assim, para que os Juizados Especiais contribuam efetivamente para a concretização do Acesso à Justiça, é essencial incluí-los na discussão acerca da reforma do sistema de Justiça, no intuito de manter a justiça próxima da população.

6.5. A arbitragem como forma de acesso à justiça

A arbitragem constitui legítima e eficiente forma de acesso à justiça conforme já abordado neste trabalho. Neste sentido, Elaine Christina Gomes Condado, afirma que a visão que entende o acesso à justiça em relação direta com o acesso ao Poder Judiciário não tem mais lugar atualmente. Segundo ela, hoje é preciso uma acepção mais ampla que proporciona aos cidadãos um acesso, não apenas aos tribunais e ao resultado da prestação jurisdicional, desenvolvido pelo Estado, mas a uma ordem jurídica justa.

Assim, ao proporcionar à sociedade métodos alternativos de solução de conflitos de interesses, eficazes e seguros para solverem suas questões, o Estado não está afastando o acesso à justiça, mas sim, o fazendo valer por inteiro e em uma acepção ampla o referido princípio constitucional.

Diante disso, há que se ter em mente que a Arbitragem precisa passar por processos de assimilação de democratização. Tem-se visto, que logo após a edição da Lei de Arbitragem, assentando-se as premissas legais para a afirmação do instituto no Direito brasileiro, o que se viu, foi uma utilização em maior escala, em questões internacionais, e em contratos comerciais de grande vulto.

Wald Filho retrata que:

Até recentemente, tanto a arbitragem quanto a mediação somente foram utilizadas, na maioria dos casos, nas relações comerciais entre grandes e médias empresas, para discussão de valores relevantes. Havia – e há –, ainda, certo elitismo na utilização dessas soluções extrajudiciais, que eram reservadas a questões importantes, tratadas por um número reduzido de advogados

.

No nosso entendimento este fato está especialmente ligado a dois fatores, que são o desconhecimento e a conseqüente desconfiança da população em geral em relação à arbitragem, e o fato de que a tradição e cultura do comércio exterior sempre caminharam no sentido de uma rápida solução dos conflitos. Os contratantes envolvidos preferem, quase sempre, submeter a controvérsia a uma rápida solução, e cumprir o determinado, se for o caso, do que atravancar seus negócios por conta de demandas judiciais infindáveis. A morosidade e lentidão na solução dos litígios são fatores incompatíveis para as práticas comerciais e, bem assim, ao convívio social, porquanto, nesses casos, não se estará diante do valor Justiça. Daí porque se diz que Justiça tardia equivale à ausência de Justiça.

Faz-se necessário, aos poucos, mudar essa realidade bem típica de nosso país, trazendo a arbitragem para perto do cidadão comum, para perto das causas de menor valor monetário e, principalmente, abandonando a cultura de fiar-se na morosidade do Poder Judiciário para ganhar tempo.

Nesse contexto, Arnoldo Wald Filho (2008, p. 51) argumenta que deve existir, paralelamente, à arbitragem clássica, uma mais célere e menos onerosa, “que possa atender à grande massa da população, realizando, no plano da arbitragem, a função exercida no Judiciário pelos juizados especiais que tratam de pequenas causas”. Aliás, no Brasil, o legislador da Lei dos Juizados Especial Cível esteve atento a este ponto, tanto que previu a possibilidade da arbitragem no seio dos Juizados Cíveis, em seus arts. 24[4], 25[5] e 26[6].

O fato é que é preciso pensar no acesso à justiça como um Direito fundamental das pessoas, mormente quando se insere o ser humano no centro do ordenamento jurídico, a ponto de a atual Constituição Federal, nos princípios fundamentais, quando trata dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que se constitui em Estado Democrático de Direito, inserir a cidadania e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. II e III)[7]. Mas é preciso entender que acesso à justiça, não pode e não deve significar, simplesmente, a porta de entrada, mas também, a de saída, e uma saída satisfatória, adequada e efetiva, em que as partes consigam vislumbrar a verdadeira realização de justiça, por meio de uma sensação de segurança em ter seus direitos efetivados em prazo razoável, sem os formalismos excessivos e desnecessários, no âmbito da relação jurídica processual. Afinal, a justiça que não se faz em tempo razoável não é justa, isto porque justiça tardia é justiça desmoralizada.

Trilhando nesse caminho, não se pode negar que a arbitragem, desde que realizada por pessoas e institutos sérios, tem grande potencial para atuar, não como a melhor, mas, simplesmente, outra forma de solução de conflitos, eficiente eficaz e, principalmente, disponível a todos aqueles não jogam com a morosidade da justiça, mas que, seriamente, pretendem obter uma solução justa, rápida e segura para suas controvérsias.



 [1] É importante destacar que a presente classificação do Acesso à Justiça não se pretende exclusiva. São diversas as categorizações possíveis em relação ao tema, mas no que pertine aos objetivos ora buscados, estase apresenta como a mais adequada.

[2] “A ação denominada ‘Educação Jurídica Comunitária’ combina a capacitação de lideranças comunitárias como agentes multiplicadores, o cumprimento dos compromissos institucionais da Universidade a serviço da comunidade e oportuniza aos corpos docente e discente, a experiência de um modelo teórico prático na perspectiva da cidadania”. (SILVA, 2002, p. 14)

[3] Um exemplo disso é a UNIFOR (Universidade de Fortaleza) que firmou convênio com a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará-DPGE, mediante o qual, um Defensor Público, lotado no Escritório de Prática Jurídica-EPJ, promove a assistência jurídica gratuita no âmbito do Curso de Direito desta Universidade.

[4] “Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei. § 1º O juízo arbitral considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o Juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução. § 2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos”

[5] “Art. 25. O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do Juiz, na forma dos arts. 5º e 6º desta Lei, podendo decidir por eqüidade”.

[6] “Art. 26. Ao término da instrução, ou nos cinco dias subseqüentes, o árbitro apresentará o laudo ao Juiz togado para homologação por sentença irrecorrível”.

[7] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; […]”

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