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Mulher como sujeito ativo do crime de estupro:questão do aborto sentimental

INTRODUÇÃO

O crime de estupro, tipificado pelo art.213 do Código Penal brasileiro, ganhou nova redação em 2009 (de acordo com a lei 12.015 de 7 de agosto de 2009). Historicamente e em regra, a mulher é vítima do crime de estupro, porém hoje, ela pode ser enquadrada na condição de autora do crime, o que não era possível antes da lei anteriormente citada, onde ela podia apenas ser considerada partícipe ou autora mediata. Devido a nova lei ser recente no ordenamento jurídico, algumas questões em torno da mulher na figura de estupradora, são pertinentes na doutrina e na jurisprudência, devido as divergências que causam.

Hoje, o homem pode ser vítima da relação sexual não consentida, e se, dessa, resultar a gravidez, embora essas circunstâncias não sejam comuns, teria, em tese, o direito de requerer a interrupção da gestação da agente, na modalidade aborto sentimental.

Este trabalho tem como objeto trazer de forma resumida a problemática da hipótese em que o homem é vítima do crime de estupro praticado por uma mulher, que engravida em consequência dessa conduta criminosa, e se poderia ser realizado o chamado aborto sentimental/ sentimental/ ético em favor da vítima neste caso.

Destacam-se duas correntes de pensamento em torno da questão posta em discussão nesse trabalho. A primeira é defendida por doutrinadores como Rogério Greco, se posicionando contra o aborto sentimental quando a mulher é autora do crime. A segunda é a favor do aborto sentimental diante das mesmas circunstâncias, e é defendida por uma corrente minoritária.

Primeira Corrente: contra o aborto sentimental quando a mulher é sujeito ativo do crime.

Esta corrente se sustenta à luz de uma interpretação do Art. 128 II CP, onde ficam expostos os requisitos para que seja viável a prática do “aborto sentimental” em caso de haver crime de estupro (art.213 CP), o aborto, segundo esta parte da doutrina deve observar os princípios da legalidade, da humanidade das penas (art. 5º, XLVII CF) e da intranscedência (CABETTE, Luiz Eduardo, 2013). Desta forma, a doutrina contra o aborto sentimental defende que mulher tem o direito de inviolabilidade da sua integridade corporal e não pode ser obrigada a fazer um aborto contra sua vontade, no caso de a vítima exigir judicialmente a interrupção da gravidez e a agente não concordar.

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A lei brasileira prioriza a proteção da vida intrauterina, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, amplamente amparado pelo texto constitucional. Deve-se acrescentar que de acordo com as teorias natalista e concepcionista, conceitos emprestados da doutrina civil, mesmo durante a vida intrauterina o feto também tem personalidade jurídica e, portanto, é considerado sujeito de direito, independente da mãe.

Art. 5º XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.

Dito isso, faz-se necessário citar que na lição de Rogério Greco podemos encontrar o seu posicionamento, mostrando-se claramente contra o aborto nessa hipótese, já que o art.128,II do CP diz respeito somente à gravidez da VÍTIMA, não a gravidez da autora da conduta ilícita, segundo sua interpretação. Para o autor, aquela que atua como autora do crime não poderá em nenhuma hipótese se beneficiar do texto do referido artigo.

(…) Da mesma forma, entendemos como impossível o pedido que possa ser levado a efeito judicialmente pela vítima, com a finalidade de compelir a autora do estupro ao aborto, sob o argumento de que não desejava a gravidez e, consequentemente, o fruto dessa relação sexual criminosa. Isso porque devemos preservar, in casu, o direito à vida do feto, já que não se confunde com o crime praticado pela mãe, ou mesmo com as pretensões morais da vítima. (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Volume III, 11ª edição, pg.509)

O raciocínio de Luiz Eduardo Cabette ainda vai além. O autor nos mostra que não se pode punir um crime com outro crime, já que o direito penal contemporâneo busca deixar para trás esse tipo de concepção de justiça. Ou seja, não podemos admitir que o estupro seja punido com o aborto. Ainda segundo Cabette, a pena imposta a mulher quando agente do crime tipificado no art.213 do CP, deve ter um caráter socioeducativo. Caso se admita o aborto na hipótese da mulher estupradora, os objetivos que o art.128 II do CP busca atingir seriam desconsiderados, além de desrespeitar princípios constitucionais expressos. “Além disso, a mulher que pratica tal infração assume o risco de produzir o resultado gravidez”, ressalva o autor.

(…) Não se pode compreender como um capricho criminoso que ensejou um coito desejado pela mulher poderia dar lugar a outro capricho, agora abrigado pela lei, em eliminar a vida intrauterina. Isso seria o cúmulo da banalização do desprezo pela vida humana em sua fase inicial (CABETTE, 2010, p. 139).

Segunda Corrente: a favor do aborto sentimental quando a mulher é sujeito ativo do crime.

Essa corrente minoritária, ainda em desenvolvimento, defendida principalmente no âmbito acadêmico, faz uma leitura do art.128 II CP pelo método interpretativo literal e pauta seus argumentos a favor do aborto sentimental quando a vítima é um homem, baseada nos princípios da isonomia e da razoabilidade.

Devemos nos valer mais uma vez de conceitos de outros ramos do direito para que possamos chegar ao nosso raciocínio desejado. Podemos observar que estamos diante de uma antinomia, que relativiza a dignidade da pessoa humana. A proteção ao nascituro e a garantia de todos os seus direitos opõe-se a proteção da dignidade da vítima de estupro, no caso o homem, ainda que ele seja isento de suas responsabilidades na esfera civil perante o nascido.

O aborto sentimental encontra sua justificativa na proteção da integridade psicológica e física da mulher quando é vítima, considerando que não é razoável que ela seja obrigada a carregar no seu ventre uma criança fruto de um crime sexual tão violento. Podemos afirmar ao observar a jurisprudência que em nome da dignidade da pessoa humana, no caso a da mulher que foi violentada, o direito permite que pereça a vida do feto ou embrião.

(…) nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito à vida, e por tal razão é perfeitamente admissível o abortamento em circunstâncias excepcionais para preservação da vida digna da gestante (Nucci, 2013, p. 128).

Fazendo uma analogia en bonaparten, mesmo que o homem não seja a pessoa a suportar os reflexos da gravidez, da mesma forma que a mulher suporta, a paternidade é uma experiência única na vida do indivíduo, que por óbvio, não deve ser viciada. Além disso, um outro argumento muito acessível para que usemos nessa questão em favor do aborto sentimental quando o homem é vítima do crime de estupro, é que a Constituição Federal nos explicita que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Logo, não nos parece coerente exigir que o homem arque com a paternidade de uma gravidez indesejada quando a mulher como sujeito passivo do estupro, tem a opção de seguir a gestação ou interrompê-la.

Mesmo que se resolvam os problemas envolvendo os efeitos civis de sua paternidade, não é possível excluir a paternidade se a criança nascer. A vítima saberá em seu íntimo que um filho seu existe, vivendo, assim um dilema entre assumir a paternidade indesejada, deixando para trás as marcas do crime, ou não manter contato com o filho fruto da prática criminosa, causando então danos psicológicos ao homem.

A verdadeira justificativa para legitimar o abortamento quando a mulher engravida por conta do ato criminoso, funda-se no fato de que todo ser humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência. É esta dignidade violada no momento em que uma pessoa é tratada como objeto, ocorrendo, desta feita, a coisificação do ser humano. Este procedimento ocorre quando um ser é utilizado por outro como um instrumento de satisfação da própria lascívia, para cumprir seus propósitos individuais. Há total supressão da vontade da mulher no coito e a mesma deverá suportar sozinha, os efeitos da gestação. (COSTA, Anderson Pinheiro. Artigo disponível no site conteudojuridico.com)

DE ACORDO COM O ARTIGO DE ANDERSON PINHEIRO (“A MULHER COMO SUJEITO ATIVO DO CRIME DE ESTUPRO E AS CONSEQUÊNCIAS NAS ESFERAS CÍVEL E PENAL”, 2014), SEGUNDO A LIÇÃO DE GUILHERME DE SOUZA NUCCI, UMA MULHER QUE VIOLENTA SEXUALMENTE UM INDIVÍDUO DO SEXO MASCULINO NÃO TEM, EM MOMENTO ALGUM, SUA DIGNIDADE AFRONTADA, NÃO HAVENDO, DESSA FORMA, QUE SE FALAR EM SOPESAMENTO ENTRE SUA DIGNIDADE E A VIDA DO FETO (NUCCI, 2012)

Posicionamento

De acordo com o meu entendimento acerca do assunto após terminar esta modesta pesquisa, concluo, que a análise restritiva de um tipo penal, conceitos absolutos completamente presos a letra da lei e o mens legis, não correspondem com a realidade do ordenamento jurídico. Devemos nos voltar para um positivismo crítico onde o direito se aproxime da realidade o máximo que puder, observando as mutações da sociedade atentamente. As relações interpessoais da vida moderna cada vez mais se abrem à igualdade entre os gêneros, além da nossa constituição garantir isso expressamente: todos são iguais perante a lei.

É claro que existem exceções a este princípio da isonomia tentando “tapar” dívidas históricas, coibir condutas criminosas que afetam certo gênero ou diminuir as consequências da má administração da máquina pública. Ainda assim, a isonomia deve ser respeitada como um supra princípio ao lado do princípio da legalidade, ao meu ver. Ora, se desde de 2009 podemos ter o homem como vítima do estupro, não acho cabível que o aborto sentimental seja tratado de forma diferente quando o gênero da vítima muda.

Não me parece justo que o direito à vida do feto seja posto em segundo plano apenas quando pensamos nas consequências psicológicas que uma mulher vítima de estupro sofreria, ignorando que um homem vítima de estupro também irá sofrer de algum modo se for vítima de sexo não consentido, ainda mais se tomar conhecimento que a mulher que o obrigou a manter com ela relações sexuais, engravidou. A violação da dignidade sexual é a mesma para os dois gêneros.

Embora as consequências da paternidade indesejada e resultante de crime possam ser minimizadas na esfera cível, na esfera criminal, ainda é impossível que haja o aborto sentimental. O direito permite a relativização de alguns direitos em detrimentos de outros em muitas situações, repito que não compreendo porque o aborto humanitário não cabe para o homem vítima.

Portanto, embora eu respeite o brilhantismo de Rogério Greco, desta vez terei que fazer ressalvas a sua lição. Concordo que deve haver o consentimento da gestante para que haja o aborto, porque embora tenha praticado um crime, isso não pode reduzi-la a uma coisa, com base no respeito aos direitos humanos e o art.128 II CP. Acrescento ainda que não consigo ver que o aborto sentimental seja um benefício do qual a estupradora possa se valer, e sim um direito daquele que foi vitimado. Acredito verdadeiramente que o pedido de aborto sentimental possa ser levado a efeito judicialmente pela vítima e considerado ou não de acordo com o caso concreto.

Conclusão

Concluo que a proporcionalidade no Direito é difícil de ser completamente conceituada, como se direito x tivesse peso 1 e direito y tivesse peso 2. Somos convidados com essa pequena pesquisa a pensar em uma questão muito complexa sobre a relativização dos direitos. O legislador e o juiz intérprete devem sempre buscar a alternativa mais benéfica em prol da justiça, mesmo quando dois direitos equivalentes estejam em conflito.

A interpretação do caso concreto deve ser uma interpretação que vai além da letra da lei em si, mas sempre agir dentro dela, devendo observar além disso os princípios que regem o direito penal e os princípios constitucionais, combinados com as mudanças da sociedade e seu senso de moralidade.

Por fim, me valho das palavras de Cabette quando nos diz que esta controvérsia tem resposta na interpretação dada ao art.128 II CP, o que é verdade porque podemos observar neste trabalho que existem dois pontos de vista para o mesmo texto, coisa que acontece com tantas outras normas do ordenamento jurídico brasileiro.

Autora:Hanna de Assis Macedo

Acadêmica de Direito, Centro Universitário do Pará- CESUPA

Bibliografia

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 2014. V.3. 11ª edição.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial 2. Dos crimes contra a pessoa. 2014. 14ª edição.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI128200,91041-O+aborto+sentimental+e+a+interrupcao+da+gravidez+da+autora+do+crime. Acesso em: 17/02/2016

http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-mulher-como-sujeito-ativo-do-crime-de-estupro-e-as-consequencias-nas-esferas-civel-e-penal,49995.html. Acesso em: 17/02/2016

http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3296

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