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Mais três postos de gasolina são condenados por dano moral pela venda de combustível fora das especificações técnicas.

Poder Judiciário do Estado da Paraíba
6ª Vara da Fazenda Pública da Capital

Natureza do feito : Ação Civil Pública
Autor : Ministério Público Estadual
Promovido(a) : AP Comercial de Petróleo

S E N T E N Ç A

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DEFESA DO CONSUMIDOR – COMERCIALIZAÇÃO – COMBUSTÍVEL FORA DAS ESPECIFICAÇÕES LEGAIS – AUTO DE INFRAÇÃO – PROVA TÉCNICA – COMPROVAÇÃO – PREÇO COMO SE FOSSE DE BOA QUALIDADE – ABUSO DE CONFIANÇA – CONSTRANGIMENTO – USUÁRIO – DEPRECIAÇÃO DE PEÇAS MECÂNICAS DO VEÍCULO E TRANSTORNOS – PREJUÍZO – ILITICITUDE – AUTORIZAÇÃO – DANO MORAL – DEMANDA – PROCEDÊNCIA.

– A venda de combustível fora das especificações legais, devidamente comprovada pelo Órgão Técnico, com a lavratura de auto de infração, afetando a sua qualidade, reduzindo o seu rendimento e gerando depreciação as peças mecânicas dos veículos, assim como, previsíveis transtorno com o seu funcionamento e utilização, é um ato ilícito que resulta em abuso de confiança do consumidor, constituindo-se assim, em constrangimento que autoriza a reparação financeira a título de dano moral. Ação procedente.

Vistos, etc.

Trata-se de ação civil pública proposta pela Curadoria do Consumidor da Capital denunciando a prática abusiva da comercialização de combustível adulterado, visto que, os produtos periciados estavam fora das especificações da Agência Nacional de Petróleo (fl. 13).

O Parquet Instruiu a exordial com documentos que compõe o processo administrativo instaurado contra a Promovida, em decorrência do auto de infração, ao final, julgado procedente (fl. 8/56).

Liminar concedida (fl. 58/9).

Contestação (fl. 65/7).

Impugnação (fl. 98/114).

Relatado. Decido.

PRELIMINARMENTE

Analisando o cerne da controvérsia destes autos, vê-se que, o mérito da causa por ser exclusivamente de direito, este bem demonstrado com a robusta prova documental que lastreia este processo, possibilitando assim, o seu integral conhecimento e resultando na conseqüente desinfluente produção de novas provas para sua noção e deslinde.

Em conseqüência deste posicionamento adotado, impõe-se sua ciência direta para fins decisórios, conquanto estão presentes às condições que ensejam o seu julgamento antecipado, nos termos do art. 330 do Código de Processo Civil.

Nesse sentir :

“Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder” (STJ – 4ª Turma, REsp 2.832-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU 17.9.90). No mesmo sentido : RSTJ 102/500, RT 782/302.

“O julgamento antecipado da lide, quando a questão proposta é exclusivamente de direito, não viola o princípio constitucional da empala defesa e do contraditório” (STF – 2ª Turma – AI 203.793-5-MG, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 3.11.97, DJU 19.12.97, p. 53)

Ante o exposto, com suporte no art. 330, I, do Código de Processo Civil, decido julgar antecipadamente a presente causa.

DA LEGIMITIDADE AD PROCESSUM ATIVA

A respeito da legitimidade ad processum do Ministério Público Estadual em patrocinar ação objetivando a defesa do patrimônio público, merece relevo a incumbência que lhe foi conferida pela Constituição Federal (art. 127) no campo da defesa dos interesses sociais e na sua função institucional (art. 129, II) de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos, e especialmente para proteção do patrimônio público e social (art. 129, III).

Mais precisamente, a Lei nº 7.347/85, definiu as situações contempladas com ação civil pública para atuação do Ministério Público, dentre elas, a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

Na integração legislativa do conjunto normativo que envolve a desenvoltura do Ministério Público no exercício da defesa dos interesses da sociedade, compreendendo-se assim, a sua atuação no resguardo das preocupações dos cidadãos com direitos homogêneos, ganha contornos de relevo a nova redação do art. 21 da Lei nº 7.347/85, formulado pelo art. 117 da Lei nº 8.078/90, que está assim escrito:

“art. 21 – Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispostos do Tít. III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

Sobre questão pertinente ao domínio da temática dessa cláusula, o Superior Tribunal de Justiça, assim se pronunciou:

“O art. 21 da Lei nº 7.347, de 1985(inserido pelo art. 117 da Lei nº 8.078/90), estendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil pública à defesa dos interesses e “direitos individuais homogêneos”, legitimando o Ministério Público, extraordinariamente e como substituto processual, para exercitá-la (art. 81, parágrafo único, III, da Lei nº 8.078/90)” (STJ-RF 331/230).

O dispositivo supramencionado tem a seguinte redação:

“Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo:
I – …
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”.

O direito em discussão é o reajuste do plano de saúde constituída por consumidores de uma categoria da mesma natureza, os seus usuários, cujos direitos tem a mesma origem, portanto, interesses ou direitos individuais homogêneos.

O Parquet assume a postura outorgada pela conjugação de normas referidas na proteção do exercício da cidadania para preservar assim, a integridade financeira dos usuários de plano de saúde.

Frente ao exposto, REJEITO A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE AD CAUSAM ATIVA.

NO MÉRITO

Na sua defesa, o Promovido alega que “os testes efetuados nos postos de combustíveis não são precisos, e nem detectam os problemas que efetivamente podem encontrar-se os combustíveis”; alega ainda, que refoge competência para aplicação de multa, pois, assim estaria a Empresa sendo punida duas vezes, para ao final requerer a improcedência do pedido.

A Promovida não requereu a produção de provas.

O enfoque central da questão envolve relação de consumo, o que atrai a invocação do Código de Defesa do Consumidor para sua aplicação no deslinde desta causa.

No caso vertente destes autos, a Promovida foi autuada (fl. 13) pela fiscalização da Agência Nacional de Petróleo no dia 17/09/2002, cuja motivação tem o seguinte teor:

“Comercializar AECN, através do equiapmento meditor série nº 6689, fora das especificações da ANP, por apresentar um teor alcoólico de 96,7º INPM, enquanto o máximo permitido é de 93,8º INPM”.
“Comercializar gasolina “C”, através dos equipamentos medidres séries nº 5251 e 5250, fora das especificações da ANP, por apresentar um eprcentual de 28% de AEAC, enquanto o máximo permitido é de 25%”

“Comercializar gasolina aditivada, através dos equipamentos medidores séries nº 5253 e 5255, fora das espeficicações da ANP, por apresentar um percentual de AEAC de 28%, enquanto o máximo permitido é de 25%”

“…O que constitui infração ao item 4.1 do Reg. Técnico/ANP nº 3/2000, aprovado pelo art. 1º da Port. ANP nº 248/2000; ao quadro de especificações cosntantes do Reg. Técnico ANP 01/2002, aprovado pelo art. 1º da Port. ANP 2/2002, inciso IV, do art. 9º e II do art. 10 da Port. ANP 116/2000; art. 1º da Port. 589/2001 do Min. da Agricultura”

No âmbito administrativo foi assegurado o amplo exercício ao direito de defesa (fl. 19/23), mas em juízo, nenhuma contraprova foi apresentada, ou prova pericial foi requerida ou juntada a estes autos.

Sobreleva ressaltar, que “compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo razões de fato e de direito” (art. 300 do CPC), como também, “manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, presumindo-se verdadeiros os não impugnados” (art. 302 do CPC).

Os documentos do processo administrativo não foram impugnados, considerandos assim, autênticos.

Como se vê, é incumbência do réu produzir a sua defesa de mérito direta de todos os fatos e questões jurídicas imputadas pela parte autora, para que depois não reclame com toques de negligência as garantias constitucionais relativas a tramitação processual.

A comercialização de produto inadequado, fora das especificações técnicas, afronta todo o ordenamento jurídico que o regulamenta, apresentando-se indene de dúvida pela sua clara configuração a denúncia formulada nestes autos.

A propósito, o Código de Defesa do Consumidor no seu art. 39, preceitua:

“É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras, prática abusivas:
I – …
VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial”.

Como se vê, o ato ilícito cometido pela Promovida além de violar as normas técnicas de especificações do combustível, incorreu em violação a preceito do Código de Defesa do Consumidor.

Mais ainda, a conduta do proprietário de um veículo ao abastecer com um combustível fora das especificações legais, estará ele sendo vítima de danos a bomba de gasolina, colação do bico ejetor do carro, corrosão das peças de borracha, degradação da mangueira e do filtro de combustível, além de afetar a vida útil da injeção eletrônica e proporcionar um aumento no consumo do veículo, causando assim, mais esse prejuízo ao usuário.

Enfim, o usuário vai pagar pelo preço normal, mas terá um rendimento inferior no consumo do carro e culminará com o desgaste anormal das peças mecânicas da linha de abastecimento do veículo.

Ao depois, vale assinalar a revelação do Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva – José Edison Parro, reproduzida pelo Autor, referindo-se ao percentual de mistura de combustível, quando disse:

“Quando adotado um percentual, o sistema eletrônico tem a capacidade de se adaptar ao combustível, mas o aumento constante desse teor faz com que o sistema não consiga acompanhar as alterações, causando problemas quanto à integridade dos componentes do motor.”

Pelo que foi exposto, vê-se que o usuário de veículo abastecendo nas condições constatadas pelo auto de infração, é previsível que o seu carro venha sofrer panes, que poderá ser em pleno trânsito urbano ou em viagens, causando-lhe transtornos, desconfortos e aborrecimentos, de modo a afetar o seu bem estar em decorrência de uma atitude de ilicitude da Promovida, para satisfazer a sua ganância e exercitar o seu egoísmo.

Acresça-se, também, que o usuário ao adquirir um produto viciado na integralidade do seu princípio ativo, está sendo ludibriado na sua boa fé, além de ser vítima de adquirir produto por preço superior ao verdadeiro ao indicado na bomba, pois está pagando pelo que é bom, quando é ruim e inferior.

É um prejuízo inserido no preço do produto que lesa o consumidor na hora do pagar a conta.

Ademais, ressalte-se que os danos são lentos, permanentes e silenciosos na deterioração nas condições mecânicas do veículo ao longo do tempo. Tudo em razão de uma prática abusiva de comercialização pela falta de responsabilidade para com o consumidor e abuso de confiança numa relação de consumo.

Na sua peça contestatória, a Promovida questiona o fato perquirição da multa neste processo, sugerindo que haveria bis in idem, visto que já autuado e multado pela ANP.

São situações distintas com objetivos diversos.

Isso porque, o Autor, em nome da sociedade, tem o direito subjetivo de perquirir a responsabilidade por danos morais ou materiais causados “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, de modo a buscar uma reparação em favor das vítimas, inúmeras pessoas proprietárias de veículos que foram lesadas na sua boa fé e na quebra de confiança numa relação de consumo.

Assim é que, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) explicita dentre os direitos básicos do consumidor:

“Art. 6º ..
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva;
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

De modo que, é a própria lei, “que estabelece previsão de reparabilidade de danos morais decorrentes do sofrimento, da dor, das pertubações emocionais e psíquicas, do constrangimento, da angustia, do desconforto espiritual por bem ou serviço defeituoso ou inadequado fornecido”, doutrina Yussef Said Cahali .

Aqui é oportuna a lição de Carlos Bittar para quem “qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fator violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)” .

No caso em tela, a intimidade dos consumidores foi atingida acidamente, ao serem enganados na sua boa fé e na ausência de consideração pelo abuso de confiança em razão da oferta de produtos viciados pela Promovida, com o gravame de pagar pelo preço normal como se fosse de boa qualidade.

Com efeito, o cometimento do ato ilícito que está revestido na forma material da lavratura do auto de infração contra a Promovida, o que autoriza a reparação pelos danos morais desferidos contras a legião de consumidores lesados na aquisição de combustível adulterado.

Nesse sentir, de que basta a ocorrência do ilícito para reconhecimento do dano moral, impende-se a reprodução do seguinte Julgado, dentre outros :

A propósito, “para efeito de indenização, em regra, não se exige a prova do dano moral, mas, sim, a prova da prática ilícita donde resulta a dor e o sofrimento, que o ensejam.(STJ – Precedentes citados: REsp 145.297-SP, DJ 14/12/1998, REsp 86.271-SP, DJ 9/12/1997, e REsp 171.084-MA, DJ 5/10/1998. REsp 204.786-SP, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, julgado em 7/12/1999”).

Resta assim, sopesar a intensidade da reparação para considerar o princípio da proporcionalidade, onde se pode dizer que um Posto de Combustível abastece por dia, em média, 100 (cem) carros, o que projeta por 3.000 (três mil) por mês, período a ser considerado na definição do quantum a ser objeto da indenização à sociedade.

Tomando por base esse parâmetro, atribuindo-se para cada consumidor enganado a importância de R$ 10,00 (dez) reais, perfaz-se um montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor que entendo razoável, a título de reparação moral, considerando-se a condição primária da Promovida nesse aspecto.

D E C I S Ã O

Ante o exposto, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para em conseqüência, condenar o Promovido no pagamento da importância de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de reparação por dano moral aos consumidores lesados, cujo valor deverá ser depositado em favor do Fundo Municipal dos Direitos do Consumidor, nos termos do art. 13 da Lei nº 7.347/85.

Sem condenação no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios (RT 729/202).

P.R.I.

João Pessoa, 29 de dezembro de 2003.

Aluízio Bezerra Filho
Juiz de Direito