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RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 16.144 – MA (2004/0066436-5)

RELATOR: Ministro Hamilton Carvalhido
RECORRENTE: Hassan Yusuf
ADVOGADO: Licinio Leal Barbosa e outros
RECORRIDO: Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

EMENTA — RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGALIDADE. DESIGNAÇÃO DE PROMOTORES DE JUSTIÇA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. OCORRÊNCIA.
1. O respeito aos bens jurídicos protegidos pela norma penal é, primariamente, interesse de toda a coletividade, sendo manifesta a legitimidade do poder do Estado para a imposição da resposta penal, cuja efetividade atende a uma necessidade social.
2. Daí por que a ação penal é pública e atribuída ao Ministério Público, como uma de suas causas de existência. Deve a autoridade policial agir de ofício. Qualquer do povo pode prender em flagrante. É dever de toda e qualquer autoridade comunicar o crime de que tenha ciência no exercício de suas funções. Dispõe significativamente o artigo 144 da Constituição da República que A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
3. Não é, portanto, da índole do direito penal a feudalização da investigação criminal na Polícia e a sua exclusão do Ministério Público. Tal poder investigatório, independentemente de regra expressa específica, é manifestação da própria natureza do direito penal, da qual não se pode dissociar a da instituição do Ministério Público, titular da ação penal pública, a quem foi instrumentalmente ordenada a Polícia na apuração das infrações penais, ambos sob o controle externo do Poder Judiciário, em obséquio do interesse social e da proteção dos direitos da pessoa humana.
4. Diversamente do que se tem procurado sustentar, como resulta da letra do seu artigo 144, a Constituição da República não fez da investigação criminal uma função exclusiva da Polícia, restringindo-se, como se restringiu, tão-somente a fazer exclusivo, sim, da Polícia Federal o exercício da função de polícia judiciária da União (parágrafo 1º, inciso IV). Essa função de polícia judiciária — qual seja, a de auxiliar do Poder Judiciário —, não se identifica com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, como exsurge, entre outras disposições, do preceituado no parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição Federal, verbis: “§ 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.`
Tal norma constitucional, por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade.
5. O poder investigatório que, pelo exposto, se deve reconhecer, por igual, próprio do Ministério Público é, à luz da disciplina constitucional, certamente, da espécie excepcional, fundada na exigência absoluta de demonstrado interesse público ou social. O exercício desse poder investigatório do Ministério Público não é, por óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norma legal particular, no que couber, analogicamente, ao Código de Processo Penal, sobretudo na perspectiva da proteção dos direitos fundamentais e da satisfação do interesse social, que, primeiro, impede a reprodução simultânea de investigações; segundo, determina o ajuizamento tempestivo dos feitos inquisitoriais e, por último, faz obrigatória oitiva do indiciado autor do crime e a observância das normas legais relativas ao impedimento, à suspeição, e à prova e sua produção.
6. Não há confundir investigação criminal com os atos investigatório-inquisitoriais complementares de que trata o artigo 47 do Código de Processo Penal.
7. Ultrapassando o Promotor de Justiça os limites da portaria de sua designação pelo Procurador-Geral de Justiça, caracteriza-se constrangimento ilegal, no excesso, próprio à concessão de habeas corpus.
8. Recurso provido.
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Brasília (DF), 22 de fevereiro de 2005 (data do julgamento).
Fonte: Diário da Justiça — Seção 1 — pág. 362 de 25.04.2005.