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O direito autoral na jurisprudência do STJ (I)

Carlos Fernando Mathias de Souza
Professor-titular da UnB e do UniCEUB, vice-presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil (IMB), membro fundador do Instituto dos Advogados do DF (IADF) e efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

O Código de Processo Civil (CPC), no art. 932 é textual: “O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”. E, recorde-se, por ilustrativo, que o Código Beviláqua, por sua vez, no art. 501 (que não encontra correspondência no novo Código Civil), consignava: “O possuidor, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da violência iminente, cominando pena a quem lhe transgrida o preceito”.

Fato é que, ora prosperava tal caminho, isto é, o do interdito, e ora não, consigne-se o óbvio. O que gerava muitas polêmicas e, sobretudo, perplexidade. E foi assim que, durante muito tempo, usou-se o interdito proibitório (ou possessório) entre os mecanismos para a defesa dos direitos autorais.

Uma questão que, desde logo, se impôs foi a de saber se haveria falar-se em posse em direitos autorais. Cuidando do tema, preleciona o professor José de Oliveira Ascensão (in Direito Autoral, 1ª ed. p. 291/292, Rio, 1980):”I— O direito de autor será susceptível de posse? Eis um problema que tem sido objeto de debate .

O tema é normalmente apresentado como se representasse mera face do dissídio mais amplo, relativo à possibilidade de verificação de posse em direitos pessoais. Alguns autores de nomeada defenderam vivamente a resposta afirmativa.

Mas da própria sistemática do Código Civil se pode inferir muito mais diretamente uma posse do direito de autor. O Código Civil regula-o como uma propriedade; o art. 485, por seu lado, declara possuidor aquele que tem de fato o exercício de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade. Parece assim fazer tombar plenamente o exercício do direito de autor no âmbito da posse.

II — Considerando o problema, Limongi França toma posição negativista. A posição sistemática do direito de autor resultaria apenas de se não ter encontrado melhor; por outro lado, a lei contém providências que substituem até com vantagem o remédio dos interditos possessórios.

O argumento sistemático é hoje meramente histórico, dada a aprovação da Lei nº 5.988 (observe-se que a assertiva é válida, também, na sistemática da Lei nº 9.610/98, que revogou a Lei nº 5.988/73), que repudiou inclusive a qualificação como propriedade.

III — Todavia, hoje como ontem, parece-nos que a posse pressupõe necessariamente uma coisa sobre a qual se exerçam poderes. Mesmo a chamada posse de direitos não deixa de pressupor uma coisa sobre que recai o exercício do direito. Por isso a posse se perde pela destruição da coisa, por exemplo, e a referência a esta perpassa todo o regime da posse. O direito de autor, que não pressupõe uma coisa, não pode assim originar posse. (naturalmente, observe-se de passagem, a assertiva não se invalida, com o fato da lei considerar que “os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis, q.v. L. 9.610/98, art. 3º)

O próprio art. 485 do Código Civil exprime esta idéia, pois exige para o possuidor que tenha de fato o exercício, o que só pode significar o exercício de poderes de fato. O direito de autor não permite situações que caíam nesta previsão, porque sobre a obra não se pode produzir uma atuação de fato.

A obra não é pois susceptível de posse. Como veremos, os meios de tutela desta dispensam o recurso aos meios possessórios” (a referência ao art. 485 é, obviamente, ao texto do Código de 1916, como sabido, encontra correspondência no art. 1.196, do Código Civil de 2002).

O professor José Carlos Moreira Alves, por sua vez, entende em idêntico sentido: “O interdito proibitório destina-se à proteção de bens materiais (corpóreos). Portanto, longe da sua caracterização como proteção autoral, e, por isso, defendido pelos meios inerentes a todos os direitos” (apud Roberto Rosas, in Direito Sumular, 12ª ed. p. 421, Malheiros, São Paulo).

O tema (isto é, quanto ao manejo do interdito possessório ou proibitório na proteção autoral), hoje, pode-se dizer, está atualmente superado e o Superior Tribunal de Justiça pôs nele uma pá de cal no que se poderia denominar vexata quaestio, ao editar a Súmula nº 228: “É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral”.

Antes do STJ, porém, o Supremo Tribunal Federal firmou idêntico entendimento, ao julgar, por exemplo, o Recurso Extraordinário nº 103.058-5, em que figuravam como recorrente um grande Supermercado e como recorrido o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD).

Eis a ementa do julgado, ocorrido em 11 de setembro de 1984: “DIREITO AUTORAL: IRRADIAÇÃO DE MÚSICAS EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL — Interdito proibitivo visando à proibição de irradiação de músicas sem o pagamento da contribuição devida aos compositores. Pedido que se enquadra na ação cominatória de procedimento ordinário previsto no art. 287 do CPC. Legitimidade do ECAD para representar em juízo os compositores filiados às associações que organizaram o mencionado escritório. Recurso extraordinário conhecido em parte e provido nessa parte para restringirem-se os lindes da cominação à irradiação das músicas de autoria dos compositores associados”.

Na realidade, no recurso em destaque, foram agitadas três teses (a) ilegitimidade ativa do ECAD; (b) inidoneidade do interdito possessório para proteção de direito imaterial, e (c) ofensa à coisa julgada).

No que mais interessa ao que ora se discorre, cumpre destacar do voto do relator (ministro Soares Muñoz): “Penso, contudo, que houve engano, na petição inicial, quanto à denominação da ação. A ofensa à posse de invenção ou de direitos do autor, uma vez consumada, dificilmente se pode imaginar reparada por interditos possessórios (Cf. Adroaldo Furtado Fabrício, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 454, 2ª. ed.).

No caso, o autor quer pôr fim ao uso indevido que o réu vem fazendo de irradiação de músicas sem o pagamento das contribuições devidas aos compositores. Cuida-se, na verdade, de ação ordinária de preceito cominatório, admitida no art. 287 do Código de Processo Civil e, como tal, não alcançável pelo veto regimental. A transformação da ação imprópria na adequada exige, na espécie “sub judice”, apenas retificação de sua denominação e, por isso, pode ser operada, inclusive, em grau de recurso, seja qual for, como acentua Moniz de Aragão (Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, II vol., pág. 388, 4ª. ed.).

Assiste razão, todavia, ao recorrente quanto aos lindes da cominação, já que ela deve circunscrever-se à irradiação das músicas dos compositores associados, em razão da óbvia consideração de que somente eles se acham representados em juízo, tal como foi decidido, em relação à liminar, no mandado de segurança (…); em consequência, torno definitiva a liminar com o acréscimo da cominação imposta na sentença de primeiro grau (…), mantida, nessa parte, pelo acórdão recorrido”.

Em apertada síntese, pode-se dizer (e com o arrimo, agora, da Súmula 228, do STJ): “É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral.” Tollitur quaestio.

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