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Mais uma Novidade: A Absolvição Teórica

Se já tínhamos conhecimento, pelo menos no ordenamento jurídico brasileiro, de uma tal de absolvição imprópria (art. 386, parágrafo único, III do Código de Processo Penal), agora a Corte Europeia de Direitos Humanos criou mais uma: a absolvição teórica.

Com efeito, em 12 de julho de 2013, a Revista Consultor Jurídico, em matéria assinada por Aline Pinheiro, correspondente da revista na Europa, publicou a seguinte manchete: “Limbo Jurídico – Europa minimiza princípio da presunção de inocência”, nestes termos:

“A Corte Europeia de Direitos Humanos validou a existência de um terceiro veredicto: absolvição teórica (?). Os juízes decidiram que um réu que foi condenado, cumpriu sua pena e depois teve sua condenação anulada diante de novas provas não é, necessariamente, inocente. Não tem direito de reclamar indenização por danos morais pelo tempo que ficou preso. A decisão da corte é final.” (grifo e ponto de interrogação nossos).

Evidentemente que este julgamento menoscaba o princípio da presunção de inocência “ao estabelecer que, se a condenação é anulada e não é feito novo julgamento, o réu não pode ser considerado um inocente erroneamente condenado. Não é vítima de erro judicial. Tecnicamente, ele é um inocente aos olhos da Justiça, mas que já passou anos atrás das grades e não vai receber nenhuma compensação por isso.” Eis o que é uma absolvição teórica: não é apta para indenizar a vítima de um erro judiciário, o que, convenhamos, é um absurdo! Serve para quê?

Esta estranha (para dizer o mínimo) decisão da Corte Europeia, completamente equivocada sob o ponto de vista de um Processo Penal garantista, deu-se no caso de uma britânica, Lorraine Allen, que havia sido condenada a três anos de prisão pelo suposto assassinato do seu filho de quatro meses. Detalhe: “a condenação foi baseada em laudo médico que apontou como causa da morte do bebê danos cerebrais comuns em crianças que são sacudidas com violência.” Ocorre que “depois que Lorraine já tinha cumprido a pena, novo laudo médico colocou em dúvida a causa da morte do bebê. Ela recorreu à Corte de Apelação e a condenação foi anulada. ( ) Tecnicamente, ao suspender o julgamento que a condenou, o que a Corte de Apelação fez foi absolvê-la da acusação. A britânica começou uma nova batalha na Justiça para receber indenização por danos morais, alegando que foi vítima de erro judicial. Fracassou em todas as instâncias por não se encaixar em nenhuma das definições britânicas de erro judicial.” (pasmem!).

Ainda segundo a matéria jornalística, este caso não se encaixou no conceito de erro judicial “porque a Corte de Apelação considerou que, com o novo laudo médico, havia uma possibilidade de que o júri a absolvesse da acusação. Mas, sem essa certeza, não havia como reconhecer que ela era uma pessoa inocente condenada por erro da Justiça. Para a Corte Europeia, tanto a lei como a Justiça britânica estão de acordo com a Convenção de Direitos Humanos. Os juízes europeus explicaram que a absolvição de Lorraine aconteceu por motivos formais. A Corte de Apelação não analisou o mérito, mas apenas a possibilidade de um eventual veredicto diferente. De acordo com a corte europeia, caberia ao júri – e só a ele – analisar a inocência ou culpabilidade de Lorraine. Sem um novo julgamento, ela não tem como ver sua inocência reconhecida e não tem direito a se declarar vítima de erro judicial”(1).

É óbvio que este julgamento afrontou o princípio da presunção de inocência, que alguns preferem chamar (sabe-se lá o porquê) de “não-consideração prévia de culpabilidade”, pois “l’imputato è sempre e solo imputato ai fini dello svolgimento del processo. Quindi non va considerato nè come innocente, nè come colpevole”(2). Outros autores ainda preferem se referir em princípio da não-culpabilidade e, como René Ariel Dotti, em princípio da incensurabilidade. Para mim, a propósito, é tudo a mesma coisa. Não esqueçamos o mais importante: o art. 5º., LVII da Constituição proclama que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (além do art. 5º., LXI) e o art. 387, parágrafo único do Código de Processo Penal.

Aliás, esta decisão da Corte Europeia vai de encontro a uma outra, proferida no dia 11 de maio do ano de 2011, segundo também revelou a Revista Consultor Jurídico, em matéria assinada pela mesma jornalista, sob a seguinte manchete: “Vítimas da Toga – Justiça britânica amplia conceito de erro judicial”.

A notícia dava conta que naquele dia a Suprema Corte do Reino Unido acabava de decidir que não era mais preciso provar ser inocente para fazer jus à reparação pelo erro judiciário, decisão das mais importantes da história do país, pois até então, o governo inglês só pagava indenização para aqueles que tivessem sido condenados, começaram a cumprir a pena e depois conseguiram comprovar a inocência.

A jornalista aproveitou a oportunidade e explicou que eram “quatro situações que levavam a Corte de Apelações na Inglaterra a anular uma condenação com base em novas provas. Até então, só era reconhecido o erro judicial quando a prova nova comprovasse a inocência do réu. Por uma maioria apertada, cinco a quatro, os julgadores da corte máxima britânica ampliaram o conceito de erro judicial para abranger também os casos em que a Corte de Apelações anulava a condenação do réu porque surgiram provas que, se tivessem sido apresentadas no julgamento, o corpo de jurados não teria decidido pela condenação. As outras duas situações ficam de fora do conceito de erro judicial: quando é incerto se as provas novas impediriam ou não a condenação e quando houve algum erro grave no processo investigatório.”

Para ilustrar a matéria, foram apontados três casos de pessoas condenadas por homicídio:

“Em dois deles, a condenação foi anulada pela Corte de Apelações depois que os condenados conseguiram comprovar que o júri se baseou na confissão deles para dar o veredicto, mas que havia indícios razoáveis de que eles só confessaram porque foram torturados por policiais. Esses dois casos foram enquadrados na segunda situação e, para a maioria dos juízes, fazem jus à reparação por erro judicial. O terceiro recurso era de um acusado que teve a sua condenação anulada porque a defesa não se valeu de provas colhidas pela própria Polícia e que poderiam levar a sua absolvição. Para a maioria dos julgados, esse não se encaixa em nenhuma das situações simplesmente porque não houve prova nova. Não foi esse o motivo que levou à anulação da condenação e não foi considerado erro judicial. Na Inglaterra, depois que o corpo de jurados condena uma pessoa e a pena é fixada, ela começa já a cumprir pena. Só em alguns casos, consegue suspender temporariamente a condenação. O direito de reparação de vítimas de erro judicial está previsto no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966, da ONU, ratificado pelo Reino Unido em 1976. Uma lei inglesa de 1988 transpõe o dispositivo para o ordenamento jurídico nacional, estabelecendo que tem direito a indenização uma pessoa que teve a sua condenação criminal revertida ou foi absolvida mais tarde porque novos fatos mostraram, sem dúvidas consistentes, que houve erro judicial”(3).

Tal decisão, evidentemente acertada, não fez tabula rasa das consequências desastrosas de um erro judiciário que, efetivamente, deve ser reparado por quem o cometeu, ou seja, o Estado (com direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa). Neste sentido muito claros dois dispositivos constitucionais: art. 5º LXXV e art. 37, § 6º.

A propósito, é cediço que no Brasil a coisa julgada no Processo Penal, tratando-se de uma sentença condenatória ou absolutória imprópria (aquela na qual se aplica uma medida de segurança ao réu inimputável)(4), é sempre relativa, em razão da figura da Revisão Criminal (esta ação constitutiva negativa, no Brasil, teve origem no Decreto nº. 848, de 11 de outubro de 1890 e tem sede constitucional). Nela temos o juízo revidente ou rescidente (desconstituição da sentença) e o juízo revisório ou rescisório (substituição da sentença). No caso de anulação do processo, apenas o juízo revidente. A legitimidade para agir é do próprio condenado, ou do seu representante legal (no caso da absolvição imprópria do inimputável por doença mental) ou dos seus sucessores (cônjuge, ascendente, descendente e irmão, nesta ordem de preferência: art. 623, c/c art. 36, ambos do Código de Processo Penal). O interesse de agir é a coisa julgada e a possibilidade jurídica do pedido é uma sentença condenatória ou absolutória imprópria.

Podemos ainda identificar a possibilidade jurídica da causa de pedir, que são as três hipóteses legais de cabimento da ação revisional (art. 621, I, II e III), sendo possível a dilação probatória. É também cabível, a meu ver, pois a questão é polêmica, em relação às decisões proferidas no Tribunal do Júri, tanto o juízo revidente/rescindente quanto o juízo rescisório/revisório (neste sentido, ver Habeas Corpus nº 19.419 – DF – Superior Tribunal de Justiça – RT 811/557). Por óbvio que não é necessário o recolhimento à prisão do autor da ação (Enunciado 393 da súmula do Supremo Tribunal Federal). O respectivo procedimento está previsto no Código de Processo Penal e a competência na Constituição Federal e nas Constituições estaduais, sendo perfeitamente possível o julgamento extra ou ultra petita, desde que seja para, evidentemente, favorecer o autor, pois não se admite a reformatio in pejus, inclusive a indireta. Permite-se, ademais, a reiteração da ação (com os mesmos elementos), desde que haja novas provas (ainda que haja identidade de ações), nos termos do art. 622, CPP.

O nosso Código de Processo Penal não exige que o autor da Revisão Criminal prove a sua inocência para que ela seja julgada procedente (mesmo porque o ônus de demonstrar a culpa do condenado cabe ao réu nesta ação: o Ministério Público, que o denunciou, acusou-o e pediu, nas alegações finais ou em sede recursal, a sua condenação).

Ademais, basta que o condenado deduza um pedido de natureza cível (reconhecimento pelo Tribunal do direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos); neste caso, entendemos indispensável a citação da Fazenda Pública, pois será quem arcará com eventual pagamento (art. 630, CPP).

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Autor:
MOREIRA, Rômulo de Andrade

(*) O autor é membro do Conselho Editorial da Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal.

Notas

(1)Utilize este link para ler a decisão em inglês: http://s.conjur.com.br/dl/europa-presuncao-inocencia-erro-judicial.pdf.

(2)Rogério Lauria Tucci, respaldado nas lições de Guglielmo Sabatini (Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 401).

(3)Utilize este link para ler a decisão em inglês: http://s.conjur.com.br/dl/decisao-suprema-corte-reino-unido7.pdf.

(4)Neste sentido, conferir o art. 8.4 do Pacto de São José da Costa Rica: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.” A chamada Revisão “pro societate” é encontrada em países como a Alemanha, Portugal, Noruega e Suíça.

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